Na areia da morte

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Eu corria sem parar. Minha respiração estava muito acelerada, me faltava ar, mas não podia parar. Estava correndo pela minha vida, mas aquela vida nem era minha. Pela segunda vez eu morri, e pela segunda vez entrei num corpo que nunca vi antes.

Os sons de galhos quebrando ecoavam ao longe, eu não podia olhar para trás, não queria ver o que estava me seguindo. Estava assustada demais e não sabia para onde ir. Corria e corria sem saber o que me esperava pela frente. Corria sem imaginar as consequências, eu só não queria morrer outra vez. Isso dói demais.

Os galhos pararam de se quebrar. O silêncio tomou conta do lugar. Tudo que se ouvia eram o pássaros cantando. Eu estava de frente para um rio imenso. Não sabia nadar, não tinha como escapar. Eu estava com muito medo. Ele estava vindo. iria me alcançar e me matar. O monstro que saiu da minha cabeça. Ele estava atrás de mim

Caí no chão, chorando e gritando de medo. Minha cara ficou toda suja com lágrimas e areia. Meu cabelo estava cheio de folhas. Minhas roupas estavam rasgadas e eu estava muito machucada. Aquela coisa iria me alcançar logo.

Eu me lembro bem, estava dormindo quando aconteceu. Ele saiu de mim. Ele saiu da minha cabeça. Eu acordei bem na hora, mas estava paralisada e não pude fazer nada até ele sair totalmente. Era branco demais, brilhava entre as árvores. Se contorcia numa espiral e suas pontas tocavam o chão. Não tinha rosto, nem mãos e nem pernas. Era uma massa branca e distorcida que flutuava arrastando aquelas pontas compridas pelo chão. Eu vi, eles saiu de mim. Saiu da minha cabeça. Eu fugi dele. Corri como nunca antes. Mas ele me seguia.

Eu comecei a chorar ainda mais, quando vi que ele estava se aproximando. Eu sentia bem a sua presença maligna. Era assustador, era nojento. Eu me encolhi e cobri o rosto para não ver novamente aquela coisa estranha.

Senti algo tocando minha pele. Ele estava flutuando em cima de mim. Ele me alcançou. O monstro que saiu da minha cabeça, ele provavelmente queria voltar pra lá.

Senti uma dor muito grande quando algo tentou entrar pelo meu ouvido. Agarrei aquilo para tentar tirar, mas era muito forte. Continuou entrando. Berrei de dor. Abri os olhos, por instinto e vi que o monstro estava vermelho, sua forma estava ainda mais distorcida, como se tivesse derretendo em óleo quente, ele parecia sofrer a cada movimento.

Aquilo entrava ainda mais no meu ouvido. Estava doendo tanto que perdi os sentidos por um momento. Meus olhos ficaram presos aos movimentos circulares que seu corpo fazia. Como se eu tivesse hipnotizada. Eu vi alguém segurando um bebê. Vi alguém chorando. Vi alguém abraçando esse outro alguém. Vi alguém morrendo. Vi alguém sorrindo. Vi alguém abandonando um bebê na frente de um portão enferrujado. Vi freiras. Eu me vi. Eu sorri. Eu morri. Eu revivi.

Acordei assustada. Olhei para os lados, e me levantei rapidamente. Estava no meio da areia. Toda suja e molhada. Havia um rio ali. Eu desmaiei naquela hora. Devia ter sido tudo um sonho. Mas se fosse mesmo um sonho eu não estaria alí. Estava fugindo do monstro. Ele era real, eu senti. Mas ele também podia ser só um fruto da minha imaginação. Eu sentia que estava enlouquecendo aos poucos.

Me levantei e continuei andando. Pensando no que havia sonhado. Não costumava sonhar muito, e geralmente, eram coisas mais simples. Eu nunca sonhei comigo mesma. Foi bom me lembrar da minha aparência normal. Me olhei na água e vi que esse novo corpo, embora fosse de uma garota aparentemente nova, não parecia nada comigo. Eu deveria me acostumar a ideia de nunca mais ter ele de novo. Eu nunca mais seria a mesma.

- Você precisa morrer. Morra.

Aquela era a mesma voz de quando eu morri pela primeira vez.

- Quem é você? Vai embora, por favor.

- Morra. Você precisa morrer, só assim irá se salvar.

- Não quero morrer. Morra você.

Não tive uma resposta. A voz sumiu. Eu estava assustada demais com tudo que tinha acontecido até agora. Eu não aguentava mais aquela angústia. O desespero e o medo estavam tomando conta de mim outra vez.

Eu quis morrer de novo.

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