Salvador

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Do alto daquela árvore o horizonte parecia inalcançável. Uma fruta me chamou a atenção, e minha barriga roncando me avisou que não seria uma boa ideia ir embora sem tentar pegá-la. Eu escalava árvores o tempo todo no orfanato, mas eu era repreendida todas as vezes, já que, aparentemente, mocinhas delicadas como eu não podem brincar com isso.

Não foi uma subida difícil, eu já havia me acostumado àquele corpo, e um minuto depois eu estava comendo a fruta mais amarga que já experimentei, mas o seu sabor ainda era melhor que o da fome.

Apreciava a paisagem enquanto pensamentos suicidas pairavam por minha mente. Uma parte de mim desejava se jogar lá de cima, mas uma outra parte me dizia que era melhor olhar para o horizonte que se extendia pela eternidade. Talvez alcançar o horizonte seja impossível para mim, assim como a morte. Não importa o quanto eu ande em frente, ele sempre estará milhares de quilômetros adiante. Talvez algumas coisas sejam impossíveis de compreender. Eu era só uma criança, nem deveria estar pensando nisso.

Desci da árvore e continuei andando em direção ao horizonte. Dessa vez eu não o via por causa das árvores, mas eu sabia que ele estava lá, em algum lugar, fugindo de mim e rindo da minha cara. Um dia eu ainda irei alcançá-lo.

Minhas pernas estavam cansadas de tanto se mover, meu corpo pedia por descanso e minha mente estava gritando em desespero. Eu não estava nada bem, e não iria ficar por um bom tempo. Me sentei aos pés de uma árvore, apoiando minhas costas em seu tronco nada macio. O sol estava indo, e logo a pior parte do dia aconteceria.

Eu tenho muito medo da noite, muito medo da sensação de estar cega e impotente contra tudo. Esses dias perdida na floresta me fizeram odiar a escuridão. Não poder ver nada, ouvir barulhos estranhos por todos os lados, ter que se encolher por causa do frio e torcer pra nenhum animal selvagem me atacar. Foi assim por quase uma semana, até eu morrer atingida por um raio, numa tempestade aleatória.

Os dias que se passaram até a minha morte foram tediosos, irritantes, traumatizantes e muitos outros adjetivos ruins. Passei fome, sede, frio, medo, e tive vontade de morrer todos os dias. Cheguei numa fase onde não chorava mais, só sentia minha mente se quebrando aos poucos. Era como tentar não dormir quando se está com muito sono. Eu tentava resistir, mas as coisas só pioravam, até o momento onde eu desisti e simplesmente peguei no sono de vez.

Estava chovendo, me aproximei de uma árvore e subi o mais alto que podia, quase caí no processo, ao escorregar num galho molhado. Fiquei em pé no topo e olhei lá embaixo, era alto, eu iria morrer. No momento que eu pulei, me lembrei da minha última morte, a dor que eu tinha sentido, todos os momentos horríveis que eu não queria passar nunca mais. Eu gritei ao me arrepender de ter pulado e tentei me segurar num dos galhos. Minha mão se prendeu entre dois deles e eu fiquei pendurada pelo braço a dois metros do chão. Chorando de dor, com meu braço quebrado, eu não tinha forças para subir. Gritava e amaldiçoava tudo o que eu podia. Não importava o que eu fizesse, não conseguia me soltar. Foi quando meu salvador veio até mim. Aquele raio brilhou dentro dos meus olhos, e eu tive tempo de pensar em como eu queria que ele me atingisse. Ele atendeu as minhas preces e acertou a árvore em cheio. Senti meus órgãos expandindo dentro de mim. Minha pele queimou e derreteu. Foi uma morte rápida e dolorosa.

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