Capítulo 23

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Taeil

Domingo, 14 de Março


Se ele falasse que sua infância foi ruim, estaria mentindo. Claro, que assim como tudo na vida, houveram altos e baixos, faz parte do processo de amadurecimento e crescimento do ser humano. Quando chegou naquela grande casa, lembrava perfeitamente o susto que teve quando viu dezenas de crianças correndo de um lado para o outro, algumas rindo, outras gritando e tinha aquelas que só faziam chorar, do ranho descer pela boca e o rastro da lágrima marcar o caminho da bochecha suja. Aquilo era uma verdadeira loucura.

O lugar era bem diferente daqueles filmes que costumava assistir com sua mãe nos fins de semana. Quando falaram que ele seria encaminhado para um orfanato, aquele pequeno Taeil de seis anos caiu em um choro desgostoso no colo da assistente social, as mãozinhas segurando com força na blusa da mulher, implorando para que ela não o deixassem levar.

Naquela cabecinha jovem, ele iria dormir junto com os ratos e comer uma mistura pegajosa. Mas ao entrar por aquela porta, ele se sentia mais confortável do que imaginava que ficaria, tudo era bem grande e colorido, o pátio principal era enorme e cheio de brinquedos legais, tinham até uma piscina, era o auge do luxo. O refeitório tinha mesas bem cuidadas e o almoço era uma delícia, sem contar do quarto com camas fofinhas e decorações da Disney.

Aquele garotinho magrela logo fez amizades com todo mundo, ele adorava conversar com as freiras e tocar piano com os coroinhas que iam o visitar toda a semana. Lembrava perfeitamente de passar horas e horas sentado na escadinha em frente ao portão principal da casa, já que sua mãe prometera ir buscá-lo onde quer que ele estivesse, e ele nunca tinha perdido a esperança de ver a mulher passar por aquela porta, de braços abertos para lhe abraçar e dizer que estava ali por ele. Sonhava com aquele reencontro todas as noites, antes e durante seu sono.

Os dias iam passando, ele ia crescendo e aprendendo que aquilo nunca aconteceu no orfanato antes e que se eles estavam ali era porque eram órfãos, ou os pais tiveram que os abandonar. Taeil sabia que seus pais estavam vivos, ele tinha certeza disso porque era claro demais na sua mente ver sua mãe respirando, sentada no pé daquela mesa, gritando por socorro e falando que iria o encontrar em sua última lembrança. Seu pai não tinha tanta certeza, mas sabia que de vez em quando ele aparecia lá para entregar um envelope para sua mãe, ele nem o olhava nos seus olhos, como se o odiasse ou algo do tipo.

Ao que foi crescendo, e entendendo melhor a gravidade de suas lembranças, percebia como sua mãe sempre se envolvia com homens abusivos e violentos, que estavam sempre a batendo ou judiando da mulher, por isso, todas as noites antes de dormir, prometia as estrelas de que quando a encontrasse, ele seria gentil e cuidadoso, para que ela não sofresse mais e se sentisse amada e querida.

Permaneceu no orfanato dos seis até os dezenove, quando completou a maioridade, sendo devolvido três vezes com oito, dez e treze anos, quando ouvia a explicação de que ele era velho demais para ser adotado. Sempre era difícil, porque em todas as vezes ele se sentia como um objeto que não satisfaz o cliente e era devolvido. Aqueles pequenos atos iam o machucando e o fazendo perder a esperança da vida.

Depois que ficou de maior, viveu nas ruas por seis meses até conseguir uma vaga em um abrigo para moradores de rua, onde teve a oportunidade de estudar e conseguir passar no concurso da polícia. Foi quando viu a oportunidade de tentar reencontrar sua família, mas era novinho demais para lembrar de nomes e referências. O máximo que conseguiu descobrir foi por pura coincidência. Naquela época estava disposto a tudo para reencontrar sua família, iria até o fogo do inferno se preciso.

Quando levou o tiro, tudo perdeu o sentido, não tinha mais esperanças de nada, viu-se sozinho novamente, mas ainda tinha Donghyuck que era ligado no 220 voltz, que tinha se tornado sua família, sua única família. Ele não era mais o irmãozinho do seu ex, ele agora dividia um lugar no seu coração com um irmão que não via a tanto tempo que agora era impossível o reconhecer novamente. Donghyuck secou suas lágrimas, chorou junto e foi motivo de tantas risadas que se parasse para pensar, se perdia em doce lembranças.

Arquivo Amarelo - MarkhyuckOnde histórias criam vida. Descubra agora