dois

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Luca sentia como se sua própria consciência o houvesse abandonado por um momento.

Ele não conseguia registrar o que estava acontecendo ao seu redor, mesmo que no fundo de sua mente soubesse perfeitamente que ainda estava sendo puxado pelo braço por tio Ugo. Luca não oferecia resistência, porque sua cabeça ainda estava girando, tão rápido quanto o vórtice em seu peito.

Seus pais o haviam mandado embora.

Ele nasceu e cresceu naquela casa, em meio àquele canteiro e no amor de sua família, e agora estava deixando tudo para trás. Contra sua vontade.

Flashes de memórias lhe assaltaram, memórias de quando Luca ainda era uma criança, nadando veloz ao redor da mesa da cozinha, rindo ao escapar de Daniela que o queria forçar a comer pepinos do mar. Mas Luca não gostava deles. Eram estranhos demais.

Ele se lembrou de como sua mãe o apanhou no colo, rindo, o fazendo cócegas atrás das guelras e o dizendo que ele era um peixinho fujão, mas que ela o amava de qualquer jeito. Então ela o colocou sentado na mesa, preparando para ele o prato que mais gostava.

Aquela mesma mesa onde haviam sido expostos seus achados como se fossem provas de um crime e ele fora condenado, sentenciado ao exílio.

Uma corrente fria passou por seu rosto e ele voltou momentaneamente para o presente, olhando nos olhos escuros de tio Ugo, que o avaliavam com algo parecido com pena.

— Não faça essa cara, garoto — ele murmurou. — O Abismo não é tão ruim assim. Você talvez aprenda a gostar de lá, assim como eu. Além do mais, vão ser só por seis meses, e então você vai poder voltar para casa.

Gostar de lá? Luca sabia que isso jamais aconteceria. Como ele poderia gostar de um lugar escuro, frio e morto quando já havia experimentado a luz, o calor e a vida? Como poderia gostar do silêncio quando já havia experimentado a música e as risadas?

Era impossível não pensar em Alberto quando se lembrava dessas coisas. Luca imaginou o que o amigo pensaria quando ele não aparecesse no dia seguinte. E nem no próximo. Ou no próximo... Alberto pensaria que Luca o havia abandonado? Que não queria mais vê-lo, que não podiam mais ser amigos? Luca não poderia deixá-lo pensar essas coisas. Ele não estava abandonando Alberto, não estava...

Então voltou a si outra vez, retorcendo o rosto em uma careta ao fazer força para puxar seu braço do agarre de tio Ugo. Mas Ugo o segurou com mais firmeza, parecendo um pouco mais impaciente do que há alguns minutos.

— Não adianta tentar fugir, Luca. Eu prometi aos seus pais que os ajudaria a dar um jeito em você e na sua rebeldia, e vou cumprir minha promessa.

— Eu não sou rebelde! — Luca rebateu com irritação, mesmo que soubesse que aquela resposta apenas o fizera parecer perfeitamente com um rebelde. — Só queria conhecer a superfície! Isso não é justo!

Ugo não respondeu, mesmo quando Luca continuou puxando o braço. Mas, depois de cinco tentativas frustradas, onde ele apenas estava conseguindo se machucar na mão do tio, Luca cedeu. Por enquanto. Ele não poderia desistir de fugir, e aquela foi a única coisa em que se agarrou no momento.

Então, ele percebeu. Fugir para onde?

O vórtice em seu peito se acelerou e intensificou quando percebeu que não poderia voltar para casa. Não mais. Na pior das hipóteses, seus pais o mandariam para o Abismo outra vez. Na melhor, ele ficaria preso em casa com vigilância constante. Em qualquer um dos cenários, ele não poderia voltar para a superfície. Não poderia mais sentir o sol na pele ou o vento no rosto ou concordar com as ideias perigosas de Alberto...

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