três

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Luca havia perdido completamente a noção da passagem do tempo.

Ele sentia, na verdade, como se tudo estivesse congelado, como estar preso vivendo em um segundo que se estendia por toda a eternidade. Ele não sabia mais há quanto tempo estava no Abismo, se eram horas ou dias, e não havia absolutamente nada para se orientar ou marcar a passagem do tempo.

Tio Ugo não estava mentindo ou exagerando quando disse que não havia nada para se fazer ali além de comer e dormir; não havia luz, e, portanto, não havia vida. E se não havia vida, não havia o que ser feito.

Luca se lembrou de seus dias pastoreando o cardume de peixes, se lembrou de colher algas para sua mãe ou ir em busca de pepinos do mar ou ostras para sua avó.

Eram coisas corriqueiras que ele fazia todos os dias, tarefas já tão conhecidas por ele que poderia executá-las mesmo dormindo. Luca jamais pensou que um dia poderia sentir falta delas mas, no entanto, ele daria qualquer coisa para poder fazer qualquer uma dessas pequenas incumbências e faria com alegria.

Mas ali não havia nada para se fazer. E não havia comida.

Ele tinha perguntado para seu tio, não sabia quanto tempo fazia, se Ugo poderia levá-lo para buscar algas ou peixes para que pudesse se alimentar. E a resposta do tio o chocou.

— Essas coisas não crescem aqui, garoto — murmurou, parecendo estar prestes a cair no sono outra vez. — Não tem ar o suficiente e nem luz solar para que possam sobreviver aqui embaixo. E os poucos peixes que existem aqui poderiam devorá-lo em apenas duas dentadas. A única comida que você terá serão os restos e carcaças que virão até você. Só precisa esperar um pouquinho, e aí... Eles vem até sua boca. Não precisa se preocupar.

Sem algas, sem peixes, sem vida. Apenas restos e pedras e silêncio.

Tio Ugo não era muito falante. Na verdade, às vezes Luca se esquecia de que ele estava ali, de tão imóvel e silencioso que ficava. Dormia quase o tempo inteiro e, quando acordava, não proferia uma única palavra. Luca tinha desistido de tentar manter uma conversa com ele depois da décima vez em que foi deixado falando sozinho.

Sendo assim, ele descobriu sem muito esforço que agora estava com muito tempo livre, e descobriu logo depois que isso era perigoso. Porque já que não tinha nada para ocupar sua mente da sua realidade terrível, Luca frequentemente era puxado para ela, tragado para memórias que um dia foram felizes e que então se tornaram dolorosas e amargas.

Como a tarde de almoço onde seu pai o contou diversas coisas sobre os siris que cuidava em casa, a noite em que passou conversando aos cochichos com sua avó sobre a superfície e jogos que ele não entendia, a manhã onde presenteou sua mãe com um coral cor de rosa e ela o deu um beijo na testa e um sorriso bonito.

Pensar em sua família doía. Se lembrar deles, de suas vozes e jeitos e toques que agora só poderiam ser experimentados em suas lembranças era doloroso demais. E seu peito ardia ainda mais ao se lembrar, também, de que ele estava naquela situação por causa deles.

Eles sequer sabiam como o Abismo era terrível? Ou não faziam a mínima ideia do que o filho passaria lá e justamente por isso o mandaram? Luca queria acreditar que fosse a segunda opção. Ele queria acreditar que seus pais não pensaram que seria tão ruim, que Luca ainda tivesse algo para chamar minimamente de lar lá embaixo.

Porque a única outra opção seria aceitar que seus pais sabiam para o que estavam mandando-o e mesmo assim o mandaram, e ele não queria aceitar isso. Assim como não queria aceitar viver ali.

Passar tanto tempo prestando atenção nas coisas ao seu redor fez os sentidos de Luca se aguçarem. Seus ouvidos agora pareciam quase acostumados com o silêncio estrondoso, de modo que ele conseguia captar todos os sons que o tio produzia: as nuances da respiração, o leve remexer de quando dormia, o bater baixinho e ritmado do coração.

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