Luca soltou pela boca a respiração que estava presa e, com aquilo, foi como se estivesse colocando para fora o seu último sopro de vida.
Seus olhos escuros se desviaram para baixo, para o negrume infinito que havia sob seus pés, as palavras de Ugo ecoando por sua mente como uma doença, envenenando seus pensamentos e seu coração, tornando-os tão sombrios quanto o Abismo era.
Porque aquilo era verdade, não? Ninguém lá em cima o queria de verdade. Seus pais poderiam ter encontrado qualquer outra solução para o problema que era ter Luca fugindo para a superfície, qualquer outra maneira que não fosse mandá-lo embora.
Mas eles escolheram o Abismo.
E o escolheram porque haviam se cansado de Luca, porque não o queriam mais. O Abismo não era um castigo de seis meses, era uma sentença perpétua. Afinal, quem iria querer por perto um filho desobediente e rebelde? Um filho que não dá o devido valor aos pais, que é inútil nas tarefas do dia a dia, que não é normal.
Luca era uma aberração.
Ele sempre soube disso. Sempre houvera aquela voz que sussurrava aquela palavra dolorosa em todas as vezes que, mesmo sabendo que era errado e perigoso, Luca ainda sonhava em ir até o mundo dos humanos. Sempre soube que não era como os pais queriam que fosse, o filho perfeito que teme os humanos e fica satisfeito com sua vida pacata no Oceano.
Mas ele não ligava para essa vozinha na cabeça dele, porque ela não tinha importância diante do fato de que os pais o amavam e o amariam apesar de qualquer circunstância, sempre e sempre.
Bem, acho que não.
Então ele pensou em Alberto e seus olhos se fecharam com a pontada de dor que sentiu.
Porque Alberto significava tanto... Ele era tudo de mais bonito e colorido que Luca tinha, desde a liberdade que o havia dado até a voz sempre alta e confiante o desafiando para situações perigosas e carregadas de euforia, os sorrisos espontâneos e o abraço que era casa.
Mas Luca não significava nada para ele. E, se sim, talvez não fosse o bastante – não o bastante para manter a promessa que fizera.
Ele realmente pensou que Alberto estava vindo resgatá-lo, que o tiraria daquele pesadelo sem fim, que os sonhos que teve não eram sonhos de verdade porque ele podia sentir que não eram.
Mas eram, no final de tudo. Alberto não viria, porque Luca não importava, nunca importou, nunca importaria.
Luca abriu os olhos e encarou o fundo do Abismo outra vez.
O lugar dele realmente era ali.
Longe do calor, da luz, da vida... E das pessoas que amava.
— Luca, eu... Eu não quis... — veio a voz de tio Ugo de algum lugar próximo, e o menino ergueu os olhos para vê-lo tentando se aproximar dele.
— Não. Você tem razão. Sempre teve — Luca murmurou em resposta, vendo a cabeça do tio balançar em negação.
— Não, não tenho, eu...
Luca estapeou sua mão para longe quando Ugo tentou tocá-lo, de repente olhando em seus olhos com ressentimento pegajoso e ódio explosivo, com tanta intensidade que o homem recuou.
— Não encosta em mim! — rosnou, voraz, e Ugo recuou outra vez. — Era isso o que você queria? Me ver admitindo? Pois bem! Você estava certo em tudo o que disse! Não há nada lá em cima para mim, assim como não há para você! Todos que vieram para o Abismo perderam o que amavam, e eu não seria uma exceção, não é?
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Vortice
FanficVórtice. Um intenso movimento giratório de poder destrutivo. Também conhecido como sorvedouro, redemoinho, turbilhão. Um vórtice é uma consequência, ele é o pior cenário resultado de vários outros fatores que colidem em um ponto central e então gi...