Ao deixar o Abismo para trás, Luca sentia como se estivesse se livrando de um peso.
Não um peso físico, como se houvesse sido obrigado a carregar uma bolsa de pedras por um tempo longo demais, e então todo seu corpo ficou cansado e dolorido pelo esforço.
Não.
Era um peso na alma, um que ele não havia percebido estar carregando até o momento, quando finalmente estava se livrando dele. Era como se as trevas do Abismo, sem que ele percebesse, houvessem se esgueirado através de sua pele e seus ossos, penetrando fundo até seu coração e alma, seus pensamentos e sentimentos, recobrindo tudo de escuridão e impedindo que a luz passasse, tanto de dentro para fora quanto ao contrário.
Mas, naquele momento, enquanto Alberto o conduzia para cima, ele quase podia sentir as garras envenenadas do Abismo se desprendendo de seu corpo e espírito, ficando para trás a cada metro que subiam ziguezagueando através de pedras pontudas e água estagnada que parecia ser mais fria do que deveria ser, deixando para trás o único lugar no mundo que Luca não pertencia e que ele jamais voltaria.
E quando luz finalmente começou a se fazer presente, depois de um longo tempo no qual ele permaneceu abraçado a Alberto, o rosto escondido na curva do pescoço dele e os olhos fechados, Luca sentiu a emoção o encher mais uma vez.
Livre. Ele estava livre.
Livre do vórtice, da sentença, do medo e da desesperança que o diziam que o amor era mentira e o calor jamais seria encontrado outra vez, não por ele. Ele estava livre, principalmente, da dor. De todas as formas dela.
Quando eles emergiram das bordas estéreis do Abismo, nadando velozes e determinados, Luca sentiu como se finalmente houvesse sido devolvido à vida. Ao Oceano, à luz, à paz e àqueles braços que eram casa. Ele estava onde nunca deveria ter saído, sendo parte daquele mundo que o pertencia e que ele pertencia em retorno.
Então Alberto diminuiu a velocidade que nadava, se inclinando até estar fazendo isso deitado, mantendo Luca aninhado em seu peito enquanto o garoto ainda mantinha o rosto escondido em seu pescoço. Ele segurava a garrafa da água-viva com a cauda, agitando os pés suavemente para movê-los para frente em um ritmo lento, deixando que Luca se acostumasse outra vez com o Oceano Raso, as mãos fazendo um carinho singelo em sua cintura e costas.
E ali, deitado no peito de Alberto enquanto o outro garoto nadava lentamente, Luca aproveitou todas as sensações como se fossem novas. Por trás das pálpebras, ele saboreou a luz do sol que chegava até ele e quase podia jurar ter escutado o canto de uma baleia ou de um golfinho. Ele também pensou ter entreouvido conversas cotidianas de peixes próximos, mas talvez fosse apenas sua imaginação criando vida.
Ele respirou profundamente a água limpa e carregada de oxigênio e sais e memórias boas, sentiu nas escamas como era fresca e suas correntes o acariciavam com doçura, quase como Alberto fazia naquele momento, levando embora quaisquer resquícios de sombras que ainda pudessem haver dentro dele.
Então sua atenção se voltou para o garoto mais velho, notando a forma como seus corações pareciam se encaixar perfeitamente daquela maneira, batendo juntos em um passo ritmado e tão gentil quanto todo o resto. Luca apertou os braços que estavam em volta do pescoço dele, os dedos da mão esquerda se movendo até as barbatanas púrpuras de sua nuca e se embrenhando nelas, acariciando e se surpreendendo ao realizar como eram mais macias do que pareciam.
E ele sorriu quando sentiu o coração de Alberto se acelerar brevemente com aquele novo toque, sentindo na bochecha as escamas lisas se eriçarem enquanto a mão em sua cintura se apertava.
Então o garoto parou de nadar, agora apenas batendo os pés para impedir que eles afundassem completamente.
— Luca, abra os olhos — sussurrou Alberto, acariciando seu ombro com suavidade.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Vortice
FanfictionVórtice. Um intenso movimento giratório de poder destrutivo. Também conhecido como sorvedouro, redemoinho, turbilhão. Um vórtice é uma consequência, ele é o pior cenário resultado de vários outros fatores que colidem em um ponto central e então gi...