01 - APENAS UM ÓRFÃO

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CAPÍTULO 1

APENAS UM ORFÃO

Minha testa suava. Meus olhos corriam desesperados pela página em minha frente. Passei a mão na testa tentando estancar o suor e clarear minha vista. Era a última questão da prova. Eu já não tinha me saído muito bem nas anteriores, precisava me sair bem naquela se não quisesse ficar de dependência naquele semestre. E eu não podia ficar de dependência, minha bolsa dependia daquela nota.

Li a questão cerca de trezentas vezes, pedi a Deus por inspiração divina e psicografei a primeira resposta que veio em minha mente. Li uma, duas, três vezes. Era uma embromação só, mas talvez me valesse meio ponto. Eu odiava provas discursivas, odiava. Devia ter pensado nisso antes de ter escolhido a faculdade de Direito. Pouquíssimas provas eram de múltipla escolha. Se eu escolhesse alguma coisa da escola para sentir falta, provavelmente seria disso.

Após me convencer que a resposta estava boa o suficiente, dei uma revisada nas outras questões, conferi se tinha preenchido o cabeçalho da prova (sim, eu já tinha entregado uma prova com o cabeçalho em branco, provavelmente meu maior atestado de burrice até então) e entreguei a prova para a professora.

- Lembrou do nome? – Estela me perguntou, olhando zombeteira por sobre os óculos. Dei uma risada, constrangido.

- Não vai me deixar esquecer disso, né?

- Nunca. Seu desespero no dia da entrega foi ótimo.

- Eu não colocaria dessa forma.

Estela deu uma risadinha.

- Bom final de semana – ela disse, guardando minha prova.

- Pra você também. – Me despedi dela e saí da sala. Eu era um dos últimos a entregar a prova, sempre. O que era motivo de grande revolta para Céci e Thiago, que pelas leis da amizade, eram obrigados a me esperar após todas as provas. Assim que fechei a porta, dei meia volta e vi os dois sentados na escada que dava para o terceiro andar do nosso prédio, bem em frente a nossa sala. Fui até eles e me sentei no primeiro degrau, ao lado de Céci.

- Total? – ela perguntou.

- Não vou nem me iludir – resmunguei. – Não tem matéria pior que Direito do Trabalho.

- Pode ir preparando esse coraçãozinho então, mano. – Thiago disse, do degrau superior. Me virei para ele, sentando-me de lado no degrau e deixei minhas pernas usarem o colo de Céci como apoio. – Um amigo meu do oitavo período disse que as matérias do terceiro ano parecem que foram criadas pelo próprio capiroto.

- Nem brinca. Tem horas que já penso que a Estela é enviada diretamente por ele pra atormentar nossas vidas.

- Ah, ela é um amor de pessoa, para com isso. – Ceci defendeu-a.

- Isso é porque você gosta da matéria dela. A única pessoa na sala.

- Ela deve fazer uma prova especial e fácil só pra ela – Thiago disse com um resmungo.

- Eu não duvidaria se ela fizesse. Ela puxa o saco da Céci como se ela fosse a filha do prefeito.

- Vocês são uns invejosos – Céci reclamou. – Eu trabalho na empresa do meu pai, então eu entendo a matéria porque eu uso diariamente.

- Se eu trabalho na empresa do meu pai é porque eu mereci – falei, implicando-a. Céci deu uma risada. Quem passava por nós achava que éramos o trio mais bizarro daquela faculdade. Eu, um menino gay, Céci, uma garota bissexual que tinha uma tendência ao drama e ao exagero, que naquele dia usava uma bota preta que ia até o joelho e tinha mechas roxas pintadas no cabelo, e Thiago, um cara hétero e de pele escura que era metido a nerd e que aproveitava as mais diversas situações para vir de terno para a faculdade. Aquele era um daqueles dias.

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