A quinta-feira não trazia consigo apenas a árdua tarefa de fechar o estabelecimento, mas também a presença de Sierra Wright.Ao ver a mulher de meia-idade cruzando a porta do estabelecimento com sua típica elegância e imponência, Carolina deu um soquinho no ar de felicidade que arrancou uma gargalhada genuína e ruidosa da mais velha.
— Sierra, só você tem o poder de animar minhas quintas-feiras. — A brasileira dramatizou com uma mão na testa, agindo com exagero.
— Ô, minha querida. O prazer é todo meu de sentar aqui me embebedar de café e conversar com você. É minha terapia favorita, você bem sabe... — A mulher trocou um olhar confidencial com a mais nova que tocou sua mão com carinho.
Sierra Wright era uma das figuras mais curiosas de Soho. Alta, com um sacolejo característico, peito sempre estufado, olhar arisco e esperto, os cabelos num poderoso e cuidadoso black power traziam toda a sua essência autoconfiante e de coragem para enfrentar o mundo. Havia se tornado viúva há pouco mais de sete meses e, ao contrário das expectativas alheias, não se afundou em trajes pretos. Muito pelo contrário... Ela tornou-se ainda mais colorida, cheia de vida. Uns palpitavam sem conhecimento de causa que provavelmente o falecido marido não era tão apreciado pela mesma, afinal, parecia estar desonrando sua memória ao sorrir para o vento.
Mas, para Carolina que a conhecera há cinco meses, Sierra era alguém que havia ressignificado sua própria dor.
Movendo-se com rapidez pelo seu espaço compartilhado com o jovem recém-contratado para ficar no caixa, a brasileira ia preparando o pedido da amiga que sabia de cor e salteado. Entre cafés, donuts e muitas conversas, aquele pub havia trago Sierra para seu ciclo de seres humanos incríveis que havia conhecido na Inglaterra.
A cientista amava histórias. As de ler, e em especial, as de ouvir. Viajava nos causos de sua avó que cruzou de navio o mundo para chegar ao Brasil, ou de seu avô que foi feirante por muitos anos. Todos aqueles personagens e cenários a instigavam, a deixavam com um sorriso frouxo. Em um ano de estadia no país europeu Carolina podia afirmar que Sierra carregava em sua bagagem histórias apaixonantes.
— Aqui, Sierra, prontinho para você o seu macchiato! — Carol entregou afetuosa para a senhora que sorria mexendo no celular, dispersa.
— Obrigada, querida! — Sierra ergueu os olhos agradecida. — Correu tudo bem no seminário que você apresentou? Me conte tudo, porque sempre saio daqui me sentindo mais jovem, mais atualizada... — Jogou o celular na bolsa de mão e voltou seus olhos para a barista.
Carolina esticou o pescoço para observar melhor o pub e ao perceber que o movimento estava fraco, puxou o banco preto alto que usava em raros momentos de descanso para perto do balcão onde Sierra lhe esperava curiosa. Deu um pulinho para sentar-se e massageou a panturrilha ao finalmente deixar seu corpo cair no material pouco confortável. Suas pernas doíam constantemente. Ficar tanto tempo em pé era exaustivo, ainda mais no dia em que era responsável por fechar o estabelecimento, depois de limpar todo o espaço.
— Bem, foi melhor do que imaginei, sabe? Escolhi para o meu seminário falar sobre a Violência de Gênero no contexto da América Latina. Me arrependi dois segundos depois quando comecei a pesquisar, porque eu escolhi uma região inteira para fundamentar minhas ideias. Precisava me aprofundar para não soar rasa e perdida nos meus objetivos... O resultado foi ótimo. Fiquei feliz. Juro que vi um sorriso no rosto daquela minha professora mal encarada na minha última fala.
Sierra aplaudiu empolgada, e Carolina fez um gesto de agradecimento com a mão numa conchinha enquanto acenava de modo afetado como as Miss Universo.
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Still We Rise - Lewis Hamilton ✓
FanfictionQuando Carolina esbarrou seu olhar com o do heptacampeão de Fórmula 1, ela finalmente compreendeu o que bell hooks, uma reverenciada feminista negra, quis dizer ao afirmar que o amor é uma ação, nunca simplesmente um sentimento. A pergunta é: para o...