Carolina sorveu mais um gole do chá de hortelã totalmente acomodada na soleira de sua imensa janela. A vista que tinha do quinto andar era privilegiada, dali assistia a agitação convidativa de Soho. O bairro que fazia pessoas idosas torcerem o nariz como também era popularmente conhecido.
Era onde Karl Marx havia tomado alguns porres, também era onde ficava uma das lanchonetes preferidas da Madonna. Era o berço da contracultura londrina. As noites por ali eram mágicas, as luzes neons das casas de strippers ofuscavam os faróis dos carros. Os dias eram tão inebriantes quanto, bandeiras nas cores dos arco-íris dançavam com o vento, manifestações artísticas aconteciam enquanto as pessoas apreciavam seus cafés. Lá também ficavam as galerias de artes favoritas da brasileira, artes feitas por pessoas anônimas como ela que com um pouco de tinta e inspiração se expressavam e tiravam o fôlego dos frequentadores.
Por muitas razões, Carolina sabia que Soho era sua casa.
A selva de cimento na qual crescera em São Paulo a deprimia. Ainda que sua família vivesse por lá, não enxergava-se retornando de modo definitivo nem tão cedo para o estado brasileiro. Havia adoecido ali, pressionada até o talo pelas próprias expectativas.
Toda vez que seus pais mencionavam sua volta para o país natal após o fim da bolsa, uma expressão melancólica se apoderava do doce rosto de Carol.
O pequeno apartamento alugado no qual vive simboliza sua plena independência. Tivera pela primeira vez a chance de arrumar as coisas do jeito que queria, pôde encher o lugar com suas plantas favoritas que tanto amava cultivar, manter seus vinis favoritos organizados sem se preocupar se algum deles iria sumir por causa de seu irmão ou se a sua mãe iria reclamar sobre ter se desfeito de um armário e optado por deixar suas roupas arrumadas em araras.
Crescer numa família consideravelmente grande, barulhenta e muito unida, havia a feito temer o mundo afora por tempo considerável. No entanto, Carolina estava ciente de que um dos passos para realizar seus sonhos era desapegar de suas inseguranças, de tudo que a fazia se encolher no quarto escuro de seu subconsciente.
Ao completar três décadas ela havia finalmente renunciado a criança melindrosa que um dia fora.
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— Filhota! O que você anda comendo por aí? Estou te achando abatida... Será que tá com anemia? Carolina! — Rosa Garcia andava com uma expressão irritadiça de um lado pro outro segurando o celular enquanto conversava com a filha, deixando seu marido zonzo.
— Mãe, eu estou apenas cansada... Esqueceu que sua filha além de doutoranda, ela também arrumou um 'job' de barista? — Carolina sorriu tentando acalmar a mulher. — Dêem olá para a Capitu! — Segurando a gata que estava em seu colo, moveu as patinhas da felina como se ela cumprimentasse os seus 'avós' humanos.
— Traga minha neta de volta, eu exijo! — Antônio Garcia depois de muito protestar conseguiu pegar por alguns segundos o celular da esposa para conseguir conversar com a filha pelo Facetime. — Também quero minha garotinha de volta... Saudades de você, Cacá.
— Ô, meu velhinho... Estou morta de saudades também.
— Sabe, filha, é muito chato assistir futebol sem ficar te vendo xingar o tempo todo. — Antônio gargalhou lembrando de cada clássico paulista entre o Corinthians e o Palmeiras que viu a garota se descabelar.
— E eu sinto falta de te ver choramingando por causa do seu 'Fogão', pai. — Carol provocou gargalhando genuinamente.
— Olha, Carolina. Cada qual carrega seu karma nessa vida, né. A minha cruz é torcer pelo Botafogo. Única coisa que ainda me faz vibrar nesse atual momento é a Fórmula 1, né, Cá. O país tá como tá, com esse presidente desprezível fazendo merda todo santo dia. Não temos paz. O ataque deliberado as faculdades públicas... A caça bruxa aos professores... Que desânimo, sabe? — O rosto do homem ficou vermelho à medida que desabafava, estava totalmente frustrado.
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Still We Rise - Lewis Hamilton ✓
FanfictionQuando Carolina esbarrou seu olhar com o do heptacampeão de Fórmula 1, ela finalmente compreendeu o que bell hooks, uma reverenciada feminista negra, quis dizer ao afirmar que o amor é uma ação, nunca simplesmente um sentimento. A pergunta é: para o...