fim do início

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Alicia e German passaram meses tensos discutindo a possibilidade de ter filhos enquanto a gravidez da Alicia se desenvolvia sorrateira. Foram descobrir só quando já não havia mais bebê algum, apenas aquele resto de sangue.

O aborto foi suficiente para matar o assunto de filhos por anos. Alicia e German nunca falaram muito do que aconteceu naquele dia, nem de como as brigas infantis deles podem ter interferido.

Eles estavam deitados um do lado do outro, escolhendo um filme para assistir na Netflix, Alicia aninhada nos braços do marido. Ao passar por um documentário sobre abortos, German comenta:
-Sabia que fazem 7 anos? -Alicia lança o olhar confuso para ele.-
-O lançamento do filme? -Ela perguntou.-
-Não. O aborto -Alicia tirou os olhos do marido. Ela sentia tanta vergonha de não ter sido suficiente. Por mais que não quisesse, gostava de pensar que não tinha filhos porque não queria, não porque um escorreu pela sua perna um dia.-
-Você pensa muito nisso?
-Só as vezes.

Alicia voltou a olhar para o marido, tentando imaginar que enquanto eles viajavam, transavam, viam filmes e arrumavam a casa, o marido estava pensando no feto que eles haviam perdido, enquanto ela só ignorava a sua existência facilmente.

Pouco mais de 2 anos mais tarde, Alicia chegou em casa depois do trabalho e sentiu um cheiro diferente. Sentiu um refluxo e foi vomitar no banheiro. German percebeu a sua movimentação e bateu na porta do banheiro. Alicia estava agachada o rosto enfiado na privada, vomitando as últimas refeições.
-O que aconteceu, meu amor? -Ele perguntou, do outro lado da porta.-
-Você tá fazendo alguma coisa?
-Tô fazendo camarão. Camarão com macarrão.

Naquele momento, todas as pecinhas se juntaram para Alicia.

Depois de alguns minutos, já se sentia um pouco melhor. O nervosismo e o medo tomaram o lugar do enjoo por inteiro. Alicia abriu o armário do banheiro, bagunçando tudo a procura de um teste de gravidez. Quando encontrou um, suspirou aliviada. Fez xixi. Colocou o palitinho e esperou o resultado.

Observou a primeira listinha nascer. E a segunda. Puta que pariu, tinha uma segunda. Alicia não acreditou.
Saiu do banheiro e depois de casa, a caminho de uma farmácia. Comprou cada um dos 5 tipos de testes de gravidez e uma garrafa com 2 litros de água.
Voltou para casa agitada. Inventou uma desculpa qualquer para o marido e se trancou no banheiro.
Alicia bebia água, fazia xixi e um teste. Positivo. Positivo. Mais água, mais xixi e mais um teste. Positivo. Ela recebeu 5 positivos em 5 testes. Aí ela se desesperou.
Uma pergunta se destaca entre as muitas que passavam pela sua cabeça agitada e confusa. Iria perder esse também? Se não conseguiu nem manter uma gravidez aos 35 anos, certamente não manteria uma aos 44.
Começou a chorar. O ar lhe faltava. De boca aberta, Alicia respirava oscilante.
Não se preocupou em esconder, como sempre fazia. O desespero era muito para ela tentar controlá-lo.
German começou a bater na porta do banheiro, um lembrete da realidade, uma luz diante de tanto caos. Alicia precisava dele. Do seu abraço, do seu acolhimento.
-Meu amor...-Ele disse, depois de dois toques na porta.- o que aconteceu?
-Eu não sei -As palavras saíram, sem sentido.-
-Alicia, você bebeu?
-Eu queria. Eu queria ter bebido -Ela guardou os 6 testes no fundo do armário abaixo da pia enquanto respondia. Tentava controlar a respiração. As lágrimas continuavam molhando suas bochechas, saindo sem controle. Alicia abriu a porta e se deparou com o marido diante dela, o olhar preocupado e corpo o curvado.- eu...-tentou dizer.-
-Depois você me explica.

German abraçou a esposa enquanto ela chorava, acariciando seu cabelo comprido e beijando suas bochechas molhadas. Em 20 anos, havia visto a Alicia desse jeito poucas vezes, e sabia que era melhor acolhê-la primeiro e tentar entender depois.
Com o sessar do seu choro, German perguntou:
-O que aconteceu, vida? -Ele afastou o cabelo do rosto da Alicia. Estava pensando em como ela era bonita, até depois de chorar por minutos seguidos.-
-Você não vai entender. Não entende que eu não consigo fazer isso.
-Fazer o que?

Alicia se afastou e foi para o banheiro. Pegou os 6 testes positivos e entregou para o marido. Não falaria. Não falaria que estava grávida.
-Tá aí -Disse, diante dele, esperando a sua reação.-
-São testes de gravidez? -Alicia o encarou, em silêncio.- você tá grávida... -Era mais uma afirmação do que uma pergunta. German sorriu e abraçou a mulher.-
-Você ta feliz? -Ela perguntou.-
-Claro, meu amor.
-Voce só pode estar brincando comigo.
-O que?
-Eu não posso fazer isso, German. Eu deveria estar entrando na menopausa.
-Vai ficar tudo bem. Vou estar aqui.
-Nenhuma criança merece nascer de uma mãe que não a quis. Não faz isso com o seu feto.
-Não chama ele de feto, é o nosso bebê -Enquanto os pensamentos de German estavam claros e vividos, os de Alicia eram um caos.-
-Não quero perder esse -Disse.- mas também não sei se consigo ter ele.
-Eu vou ficar aqui. Segurando a sua mão. Como sempre -Eles se abraçaram novamente.-

Quando nascem as flores *finalizada* 2021Onde histórias criam vida. Descubra agora