meio do meio

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A primeira sessão de quimioterapia de German acabou, depois de 5 semanas intensas e recheadas de mal estar, mas não trouxeram nenhum grande resultado. O tempo dele estava de esgotando, sua vida se esvaindo. Alicia era obrigada a ver o amor da sua vida, o homem com quem vivera por 20 anos, desaparecendo. Ele passava a maior parte do dia tão dopado que nem sabia quem era ou onde estava. Eles aproveitavam os poucos momentos da sua consciência que lhe restavam.
Alicia estava cada vez mais cansada da gravidez e das visitas. As vezes só queria que ele morresse de uma vez. Vê-lo definhando naquele jeito era dolorido e custoso demais.
Exatamente 10 dias antes da sua morte, Alicia estava sentada na ponta do leito do marido, acariciando suas mãos magras e amareladas.
-Meu amor...-German chamou a esposa, a voz fraca.- me desculpe.
-Para de pedir desculpas, por favor.
-Eu queria poder cumprir as promessas que eu fiz. Queria mesmo.
-Eu sei -Alicia tentava não olhar para ele, fraca demais para olhar nos seus olhos. Doía demais.-
-Eles estão aumentando as doses dos remédios. Então quero aproveitar para te dizer tudo o que eu preciso agora. Tudo bem? -Ela assentiu, seu olhar oscilando entre olhar para a porta, o chão ou o teto do hospital, todos os lugares, menos para ele.- eu amo você, Alicia. Você me fez o homem mais feliz do mundo. Todos os dias. Eu amo o seu cabelo, o seu perfil e as suas mãos com dedos compridos. Sou doido pelos seus olhos e pela sua voz. Eu vou morrer pensando em você, meu amor. Vivemos mais de 20 anos juntos. Mas não foi suficiente para mim. Porque todo o tempo do mundo com você é pouco -Alicia tentava não chorar.- De um nome bonito para o nosso bebê e fale de nós para ele. Conte das idas a Itália e da viagem para Portugal.
-Posso tentar.
-Ache outro amor. Ame outra pessoa. Sei que vai conseguir.
-E você acha que outra pessoa irá de amar? Me amar como você?
-Ninguém vai te amar como eu. Nunca. Vão te amar de outros jeitos. E que seja para mais. E vai ser. Nosso filho vai te amar muito. Não vou te deixar sozinha.
-Vai sim.
-Esse bebê é a melhor coisa que eu posso te deixar. Sabe disso.

Alicia o encarou, o coração ficando mais apertado a cada movimento vago do bebê dentro da sua barriga.

-Como quer que eu o chame? -Ela perguntou.-
-Voce sempre foi melhor com essas coisas do que eu.
-Por favor -A inspetora pediu, a voz embargada tentando segurar o choro e manter o ritmo.- já vou ter que tomar muitas decisões sozinha.
-Tudo bem -German assentiu, lamentando pela escolha do nome do seu filho ter se tornado um evento tão triste. Era para eles estarem na cozinha, Alicia observando o marido cozinhar enquanto eles discutiam. Ou quando o bebê nascesse, o casal diante do filho recém nascido. Eles estariam com os olhos fixados no bebê, discutindo se ele tem cara de Pedro ou João, Clara ou Maria.-
-Não vou dar seu nome para ele -Alicia adiantou.- gostaria que o seu nome permanecesse seu.
-Eu não seria tão sem vergonha de te pedir isso -German sorriu e prosseguiu, o olhar distante como de quem sonhava- Gosto de João. Eu adoraria ter um filho chamado João. E se fosse uma menina...gosto de pensar que é uma menina. Que vai se parecer com você.
-E aí?
-Eu a chamaria de Victoria. Poderíamos chamar ela de Vi. Você pode chamá-la assim.
-Ainda prefiro Feto -Os dois riem.-

10 dias depois, os movimentos do bebê se tornavam mais frequentes enquanto os de German se limitavam. Ele sentia muita dor para não passar 24 horas dopado, medicado até os ossos.
Alicia saiu do trabalho e foi ao seu encontro no hospital. Segurava a sua mão ainda mais magra. Notou a movimentação inquieta do marido. Nem dormindo ele estava livre do incômodo da doença.
-Descansa -Alicia disse, passando a mão leve no seu rosto. Ele abriu os olhos.-
-Eu não conseguiria perder você -Disse, o olhar vago e a voz ainda sonolenta.-
-Como?
-Liga...liga o jornal?

German perguntou, apontando para a televisão do quarto antes dos aparelhos começarem a soar alto e ele cair em um sono profundo. Alicia encarava o marido, o barulho ecoando fortemente nos seus ouvidos. Tentava entender o que os sons significavam, ou o que os enfermeiros estavam fazendo quando pediram para ela sair do quarto. E quando a olharam com pena, poucos minutos depois, anunciando que ele tinha morrido.

O seu coração já estava tão pequeno que podia ter desaparecido dentro dela. A única coisa que a mantinha de pé era o bebê. Naquele momento, pareceu impossível ela estar mantendo ele vivo, e não o contrário.

Quando nascem as flores *finalizada* 2021Onde histórias criam vida. Descubra agora