A promessa de Bianca

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BIANCA

Acho que todo mundo se lembra do lugar exato em que estava quando algo grandioso acontece. Quero dizer, provavelmente meus pais se lembravam onde estavam quando o Brasil ganhou a copa de 2002, ou quando as torres gêmeas foram atingidas...qualquer acontecimento tão drástico, seja ele bom ou ruim, tem esse poder sobre o nosso cérebro.

E é apenar por isso que eu conseguia me lembrar exatamente todos os detalhes daquela Quarta-feira do mês de março. O dia em que eu tinha aceitado tomar a decisão que mudaria minha vida e tudo que eu costumava saber sobre ela.
Tudo começou quando eu tentei passar pela sala discretamente a fim de chegar na cozinha e provar um pedaço delicioso do bolo que minha mãe havia feito.

O bolo. Talvez se eu não fosse tão gulosa nada daquilo teria acontecido...

E foi bem no momento que eu coloquei os meus pés na cozinha que uma voz irritada surgiu por trás de mim e falou:

_O que você pensa que está fazendo?

Pensei em dar uma desculpa bem esfarrapada e dizer que só estava olhando mas minha cara estragaria tudo. Eu tinha certeza que estava escorrendo saliva da minha boca. Se o bolo fosse um animal eu era uma onça pintada me escondendo no mato pronta pra dar o bote.

_Eu só...estava passando...

Minha mãe revirou os olhos como quem diz "mentir logo pra mim? Que te pari!" e passou por mim indo em direção ao bolo e começando a tampar a sobremesa enquanto acabava com todas as minhas esperanças de sujar a boca com calda de chocolate.

_Já que você está aí parada que nem uma aparição...vai lá na Michelle e entrega esse bolo pra ela.

Eu sorri animada. E só 50% desse sorriso era por conta das esperanças renovadas. A verdade é que eu adorava ir na casa da tia Michelle. Éramos vizinhas desde que eu me entendia por gente, mamãe e ela haviam se conhecido na igreja e de uma forma estranha a antipatia das duas por uma irmã escandalosa fez com que a minha mãe tivesse uma nova e inseparável melhor amiga, e consequentemente, dois meses depois, quando a Michelle teve a ideia brilhante de se oferecer para ser minha babá, eu também tive que ficar inseparável da filha dela.

No início, quando a minha mãe pegou a minha mãozinha de 5 anos de idade e disse com uma voz mega afetada que só se usa pra falar com bebês:
"Você está prestes a conhecer uma menina incrível. E vocês serão melhores amigas...portanto...não seja egoísta com as suas bonecas."
Me lembro de revirar os olhos e só de birra apertar ainda mais minha boneca preferida entre meus braços. Quem aquela menina pensava que era para achar que poderia sequer chegar perto dos meus brinquedos?

E foi só quando a porta da casa da tia Michelle foi aberta por uma menina baixinha demais para os 4 anos que eu suspeitava que ela tivesse, os cabelos de uma cor meio branca? sla e uma cara de quem estava entediada que eu reparei que estava prendendo a respiração. A minha mãe me largou no momento seguinte que a Michelle chegou, como se dissesse "ok, aja como uma criança normal e faça amigos!".
Mas ali, estava eu. Olhando para a menina de cabelo com mechas brancas e pensando "por que ela não está olhando pra mim?". Eduarda parecia muito mais interessada no desenho do Bob esponja do que na garota desconhecida que ainda estava abraçando uma boneca Suzy.

E aquela foi a primeira vez que eu quis muito chamar a atenção de alguém.

E então, depois de alguns minutos que pareceram anos na minha cabeça infantil, a Eduarda desviou os olhinhos da televisão e disse:

_Você não vai sentar aqui? eu guardei espaço pra sua boneca também.

Eu olhei pro chão meio sem graça mas arrastei meus pés e minha boneca até o sofá onde a Eduarda estava sentada.

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