Ojos de Lince

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Mendoza - Argentina, 4 de junho de 2001.

O som característico de todas as manhãs nos últimos doze meses, a gargalhada doce e contagiante, foi o responsável por despertar Raquel de seu sono e consequentemente, de seu sonho. Desde que havia conseguido finalmente ter sua filha consigo e depois de todos os traumas e angústias vividos nos últimos meses de sua gravidez, Raquel voltara a sonhar com Sergio e com sua avó; apesar de serem sonhos bons, sempre faziam com que ela acordasse com uma sensação de estar incompleta.

A psicóloga que a acompanha desde quando os primeiros problemas começaram a afetar diretamente sua gravidez e saúde mental, Dr. Glória, informou que esses sonhos são parte do processo de luto pelo qual ela está passando desde quando saiu da Espanha. Muita coisa foi perdida, toda a rede de apoio que ela costumava ter já não existia, as pessoas que ela amava já não estavam com ela, sem contar com todos desafios enfrentados desde que chegou a Buenos Aires, o cérebro utiliza-se de seus desejos e imagens de sua memória para tentar confortar a pessoa.

E esses sonhos são basicamente isso, momentos passageiros de conforto, que quando terminam dão espaço a grandes lacunas sentimentais.

Mais uma vez escuta a gargalhada do solzinho que, desde que viu pela primeira vez, era a responsável direta por sua felicidade e pela força que ela tenta ter para ser uma mulher e mãe que sua filha pudesse confiar e se inspirar.

Ainda tentava assimilar o ambiente em que estava, mas quando escuta mais uma vez Silene rindo e gritando de felicidade, junto ao som da risada de Darko e Mônica, teve a certeza de que ali era seu lar. Então lembrou-se que estavam de volta a casa que os pais de Darko haviam deixado para os filhos, na serra de Mendoza. Todo o grupo, ou melhor, toda a família havia ido passar os primeiros dois meses da vida de Silene ali. Depois de tudo o que Raquel e Silene haviam sofrido, eles acharam melhor que as duas começassem a nova vida ali, na calma do campo e longe de toda a agitação da cidade.

E agora, Raquel tinha certeza de que essa foi a melhor decisão que eles poderiam ter tomado, estar ali a fazia recordar-se da sua infância e uma coisa que ela realmente gostaria, era que sua filha pudesse ter a experiência de uma infância saudável e em contato direto com a natureza, assim como ela teve. E por isso, voltavam ali sempre que possível, a primeira volta ao sol de sua filha será comemorada ali, onde as duas puderam reviver e conectar-se.

Raquel havia saído da cama e estava diante do espelho, fazendo sua higiene pessoal, e lembrou-se de todos os rituais que Darko havia planejado para a comemoração, incluindo um sol feito de papelão, que Silene daria uma única volta ao redor, simbolizando a sua primeira volta ao sol. Riu ainda mais ao lembrar do argumento que o homem havia utilizado para justificar esse ritual: "Raquel, você é uma sádica quando o assunto é esoterismo. Quero que a minha filha possa acreditar que os astros e o universo estarão trabalhando a favor da felicidade dela!".

Ela realmente era uma mulher de muita sorte, sabia que a família que a vida lhe dera estaria sempre em sua vida.

Quando sai do quarto à procura da festa que estava sendo armada em algum cômodo da casa, percebe o quão familiar e nostálgico o lugar era para ela. As paredes externas da casa, revestidas com tijolinhos e a decoração e o piso interno adornados de madeira escura eram os responsáveis pelo ar rústico da casa, as paredes cheias de fotos de momentos importantes da infância de Mônica e Darko e de momentos importantes e divertidos da família que eles haviam formado sempre seria uma das melhores coisas naquele ambiente.

A foto que registrava o momento em que Alicia havia dado o primeiro pirulito a Silene e a careta que a menina havia feito era, sem dúvida alguma, uma de suas preferidas.

Como Morrem as FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora