Como Morrem as Flores

Perdas e ganhos

Argentina, 1999.

Afastada de todas as suas atividades há pouco mais de dois meses, por conta da gravidez de risco e em repouso absoluto, ou quase absoluto - algumas vezes era impossível não sair da cama sozinha, visto que Alícia e Darko tinham as suas próprias vidas e Mônica era apenas uma adolescente - Raquel sentia com muita intensidade o peso do abandono familiar e algumas vezes até da solidão.

Por diversas vezes obrigava os seus amigos a lhe contarem o que estava acontecendo na faculdade ou a debaterem a matéria que estavam estudando naquele período, para que pudesse viver através deles. Sim, havia sido obrigada a interromper a faculdade para preservar a saúde de sua filha, já que, além de toda a humilhação de tê-la expulsado de casa, seu avô havia descoberto sua gravidez e lhe fizera centenas de ameaças, causando um nível altíssimo de estresse e propiciando o aparecimento de algumas complicações em sua gestação.

Por sorte, havia construído a sua própria rede de apoio em seu novo lar e sabia que podia contar com eles para tudo. Além do mais, durante um de seus banhos de sol na varanda do apartamento em que vivia, havia descoberto sua vizinha do lado, uma italiana radicada em Buenos Aires: Chiara. Que como diz o significado de seu nome, é uma pessoa com uma luz única, que emana luminosidade.

Chiara tinha por volta de vinte e oito anos e assim como Raquel, estava esperando seu primeiro filho ou filha, ela e o marido haviam optado por não saberem o sexo do neném antes de seu nascimento, fato que fez Alicia não confiar no casal, pois, segundo ela pessoas que não possuem curiosidade sobre a vida não costumava ter uma boa índole. Assim como Raquel, Chiara precisou se afastar por um pequeno período de seu trabalho de comissária de bordo, para cuidar de sua saúde, então as duas costumavam trocar figurinhas sobre as gestações e dar apoio uma a outra sempre que necessário, já que estavam em momentos tão complicados em suas vidas.

As duas haviam criado o hábito de conversarem durante a maior parte das manhãs, estavam com um tempo de gestação um pouco distante, Raquel estava quase completando seis meses e Chiara estava na metade dos quatro meses e, apesar dos sustos no percurso, os dois nenéns estavam se desenvolvendo bem, como o esperado.

As mulheres, apesar dos altos e baixos causados pela oscilação hormonal e pelos anseios das gestações de risco, levavam a vida da maneira mais leve possível. Uma sempre estava para apoiar quando a outra estava em um dia ruim, seja o desconforto emocional ou físico. Funcionavam com uma sintonia incrível para duas pessoas que se conheciam a tão pouco tempo.

Ao contrário de Raquel, que todos os problemas relacionados a sua gestação foram relacionados ao abandono, estresse e perseguição causados por sua família biológica, Chiara tinha uma série de doenças que eram hereditárias e causavam complicações na gravidez. Tanto que vez ou outra, quando Raquel mencionava o tamanho de sua barriga ou algum outro sintoma causado pelo processo de gestar uma outra vida, era comum Chiara responder com frases como “se a sua barriga está grande e só tem um neném dentro, imagina como não vai ficar a minha com um neném, um mioma e um endométrio quatro vezes maior que o normal…”.

Nesses momentos, apesar da seriedade da situação, ambas caíram na risada, pois conseguiram rir nas circunstâncias em que estavam era praticamente uma dádiva e nenhuma das duas sequer cogitava a possibilidade de desperdiçar uma oportunidade de deixar os dias mais leves e guardar risadas, por não saber o que viria no momento seguinte.

O ceticismo de Raquel estava constantemente sendo posto à prova. A cada dia se tornava mais difícil não acreditar no destino ou entidades celestiais que supostamente são responsáveis por reger as nossas vidas.

Era improvável e, impossível para ela que, em tão pouco tempo fosse se afeiçoar tanto a uma pessoa que sequer havia visto antes. Apenas três semanas, dois fetos incertos, alguns problemas de saúde e o tédio do repouso foram suficientes para fazer com que as duas se tornassem inseparáveis. Como se fossem grandes amigas há anos e tivessem uma vida toda em comum, quando na verdade se tratava de uma mulher mais madura construindo sua família e uma adolescente desamparada pelos seus.