En contra la luz

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Segóvia, 1999.

"Momentos de finalização de ciclos servem para nós nos encontrarmos após uma longa jornada." 

A frase dita por sua avó ressoava como um mantra na mente de Raquel. A amizade com Carmen, apesar de duradoura, sempre fora um tanto quanto problemática, a moça que esteve presente em todos os momentos de sua vida, desde que passara a viver com os avós, era uma boa amiga - enquanto Raquel concordava com os seus termos e não se sobressaia mais do que ela.

Acontece que algumas pessoas, mesmo que tentem a todo custo passar despercebidas, não conseguem. É uma questão de luz interior e plenitude. Raquel sempre teve uma personalidade simples e sociável, chamava a atenção em todos os ambientes ainda que esse não fosse o seu real objetivo. Entre seguir padrões, que não estavam de acordo com os seus dogmas, para ser popular, e ser menos conhecida mas autêntica, a resposta para Raquel era óbvia.

Não admitia que tentassem submetê-la a amarras e isso nunca iria mudar. Ao contrário de Carmen, que sempre fazia de tudo para ser o centro das atenções e ressentia-se sempre que outra pessoa o fosse.

As discórdias bobas por atenção sempre existiram, mas após a chegada de Sérgio na fazenda e, consequentemente, a aproximação dele com Raquel, tudo havia piorado. A birra da 'amiga' em relação a Raquel ia desde um modelo de vestido que ambas compravam no mesmo modelo, até notas e amigos na escola.

Com o fim da escola e toda a organização da festa de formatura - que por insistência de Prieto, iria acontecer na propriedade da família, que era altamente respeitada em toda a cidade - Carmen havia mais uma vez se ressentido quando Raquel foi escolhida para ser a oradora da turma, causando assim uma briga séria e desnecessária, com direito a xingamentos, acusações de privilégios e corte de vínculos.

Apesar de estar bastante chateada com todo o ocorrido e ressentida por ter levado demasiado tempo para perceber que o único motivo para Carmen continuar sendo sua ‘amiga’ durante a maior parte de sua vida, era social. Estava interessada em surfar no nome da família Murillo e sobressair-se, coisa que nenhum dos herdeiros tinha interesse.

Talvez por isso Prieto insistia tanto na amizade entre as duas. Ele via em Carmen a ambição e a falta de escrúpulos que sonhava para Raquel, mas que jamais iria ver em sua neta. Menos ainda em Sérgio, que mesmo tendo convivido pouquíssimo com sua mãe, havia herdado os genes e os preceitos de viver livremente e sem amarras de tradições familiares.

Há algumas semanas Raquel e Sérgio estavam segurando o quanto conseguiam para tentar manter distância em casa, já que ela havia percebido que os capangas de seu avô estavam vigiando-os e Marta havia confirmado que Prieto andara fazendo algumas perguntas sobre a proximidade dos netos.

Ambos sabiam que, ao menor sinal de descobrir o amor deles, o velho seria capaz de passar por cima de todo e qualquer limite pessoal ou carinho nutrido pelos netos, para que nada saísse dos trilhos e o nome da família não virasse motivo de fofoca. Nos últimos meses, almoços de domingo, o único momento em que ele realmente estava presente com os netos, ele fez questão de mencionar que não havia gostado do rompimento de Raquel com Alberto e sempre questionava Sérgio sobre ‘ser um estranho solitário’.

Porém, saber que um estava sofrendo ou sendo destratado de alguma maneira, estava dificultando totalmente os planos de tentarem ser discretos. Sérgio sentia o coração comprimir no peito sempre que via Raquel chorosa ou melancólica pela casa e Raquel sempre se mostrava disposta a atear fogo no avô quando ele tentava, de alguma maneira, menosprezar o amado. 

E o velho não tinha nem planos de facilitar a vida de ambos. Descaradamente liberal economicamente e ultraconservador nos costumes, Prieto costumava de dizer aos quatro ventos, que seus herdeiros teriam que fazer por merecer tudo que um dia iriam assumir, porém, o que não era mencionado, era o fato de que esse “merecimento” não viria de experiências profissionais livres de privilégios e sim de humilhações, opressões e constrangimentos.

Como Morrem as FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora