Rompecabezas

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Os acontecimentos da última semana passam na cabeça de Sérgio como um filme que alguém é obrigado a assistir em loop e em câmera lenta. Não sabe ao certo quando ou porque perdeu totalmente o controle de seus atos, seus desejos, seu corpo e de sua vida.

Está quase acreditando que essa cidade tem algum tipo de fenômeno sobrenatural, ou seja uma falha na matrix, que o faz querer ter pessoas, momentos e uma vida que não é sua e isso havia ficado muito claro para ele quando foi expulso e obrigado a viver na Alemanha e logo depois abandonado pela mulher que amava.

Ou ama?

Isso com certeza ele não seria capaz de responder. Seus sentimentos e pensamentos estavam tão organizados como um motim com inimigos infiltrados; talvez essa seja a metáfora perfeita, é exatamente assim que se sente. Após receber a carta em que Raquel dizia que não queria mais viver com ele e que havia se apaixonado perdidamente por um argentino e ela ter recusado todas as ligações que ele fizera na época, Sérgio havia se prometido que ela jamais teria alguma importância ou influência em sua vida.

Mas cumprir essa promessa estando longe dela era bem mais fácil do que quando a tinha ali, no quarto ao lado; propondo um contrato de sexo sem compromisso, provocando-o, entragando a ele sua calcinha e seu corpo. 

Isso sim poderia ser considerado o purgatório, mas no exato momento em que sentiu o seu corpo contra o dela e seus lábios se tocaram após vintes anos e muitas vidas separados, ele sabia que estava disposto a ir ao inferno, se assim ela desejasse. E mais do que isso, tinha certeza de que se chegasse ao inferno, lá estava ela, dançando pole dance lindamente, com todo o seu poder de sedução no tridente do “gerente” do local.

Era mais uma noite mal dormida por causa de toda a confusão que a morte do avô fascista havia causado. Sergio sentia que haviam muitas pontas soltas entre eles e muitos tópicos a serem esclarecidos, só que aparentemente nenhum dos dois estavam dispostos a iniciar essa conversa e agora ainda mais.

A chegada de Silene e Alícia havia sido como um soco em seu estômago, como um alerta que tenta trazê-lo de volta para a realidade. Saber que Raquel havia construído uma família toda e inclusive tinha pelo menos uma filha foi um choque; ele dava tudo por ter sido integrante da nova família dela, quiçá até mesmo pai de seus filhos, como tanto havia desejado e planejado, mas infelizmente a vida não é feita por momentos ideias nem por desejos.

Não sabia explicar, mas a garota parecia ser brilhante e ele adoraria saber mais sobre ela, além de ter a estranha sensação de conhecê-la a mais tempo do que algumas poucas horas e de ela o lembrava de alguém. Talvez estivesse vivendo uma ilusão e a sua vontade de ter feito parte disso o estivesse nublando o pensamento e a razão.

Nesse momento Sérgio sentia-se o homem mais ridículo de todo o mundo, havia ficado dias se culpando por ir para a cama com uma mulher comprometida e passou uma de suas maiores vergonhas em toda a vida por causa disso. A ruiva que ele não conseguia ter uma opinião formada sobre e havia se transformado em uma incógnita não era namorada ou esposa de Raquel; mas ele sabia que elas eram muito íntimas.

Talvez Alicia fosse para Raquel o que Martín é para ele: um irmão. E o pensamento de que talvez, ela tivesse uma âncora como ele tem, por algum motivo o deixou aliviado. Mas sabia também que teria que evitar Alícia por um bom tempo, não seria capaz de olhá-la nos olhos outra vez depois da conversa da noite anterior.

“Joder, Sérgio. Não seja ridículo, você não é mais um adolescente inseguro e sem vida social” era o pensamento de Sérgio enquanto olhava seu reflexo no espelho de seu banheiro e se preparava psicologicamente para passar o dia todo na companhia de Raquel.

Seria um dia longo e totalmente incerto, poderia acontecer tudo e ao mesmo tempo nada. 

Sérgio odeia não saber o que esperar ou não ter controle dos próximos acontecimentos e nesse momento, era exatamente isso que o preocupava.

Como Morrem as FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora