Conto 03 - Entre Carne E Ossos

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Eu estava em minha sala, o fogo da lareira e a lamparina em sua turva luz iluminava minha leitura. Regado ao vinho fino de minha adega, eu segurava meu livro favorito com minhas mãos pálidas e delgadas. Meu olhar lânguido se apoderou do crepitar da chama bruxuleante, e me perdi nas formas instáveis das chamas. O vazio que queimava em mim era muito mais forte que aquele fogo e muito mais frio que o inverno lá fora que assolava Londres.
"Thomas, ainda acordado?" disse meu amigo que se aproximava de mim, se assentando na poltrona de couro vermelho a minha frente.
"Sebastian? Não... Esperava tua visita ao tão tarde da noite..." respondi soturnamente.
"Sim, pois está claro que sentia falta de minha companhia e do acalento de minha voz. Seus olhos profundos de olheiras e a vermelhidão dos mesmos. Quantas noites desperto tem passado sem conseguir o aconchego dos sonhos?" dizia em tom preocupado.
"Sonhos? Sebastian, eu não quero dormir nunca mais, o inferno de minha mente é mais destruidor que o da realidade. Os tormentos que me assolam não se tem descanso, e não há ópio que me permita cair no sono sem que dele me faça ainda mais soterrado na desgraça. " acendi um cigarro com minhas mãos trêmulas.
" Mesmo com os remédios, permanece na histeria, está magro como um cadáver e tem se deteriorado como um enquanto ainda respira. Ainda te atormenta? " falou ele.
" Do que falas Sebastian? "
" Sabe muito bem, digo das cicatrizes que o marcador de fogo rasgou nas suas costas ainda em tenra idade, falo de seu pai maldito que lhe castigava em surtos insandecidos de sua plena agonia. "
" Quem dera o metal quente tivesse sido meu único ferimento, quem dera tudo tivesse sumido com o apodrecer do cadáver moribundo daquele monstro apodrecido. Tudo permanece tenebroso, e o fantasma, o esqueleto daquele homem me visita nas visões mais sombrias da minha mente. Talvez eu esteja ficando louco... "
" Talvez esteja mesmo. Lembro de como sua dificuldade de se relacionar com pessoas, de como sua aproximação era cálida e dolorosa, queimado das dores até os orifícios. A mãe morta no parto, sim. Ah deve pensar que matou sua mãe não é? Bem vc matou, nunca foi desejado. Exceto por seu atormentado pai que lhe resolveu abusar quando parecia um anjinho de cristal com seus lindos cachos loiros, um pleno cupido de Afrodite tendo seu anus arregaçado pelos desejos monstruosos do próprio pai. Não me admira a dificuldade que teve em comigo compartilhar suas dores, também, fui o único que aceitei lhe ouvir. "
" Eu não sinto substância em mais nada Sebastian, tudo se perdeu depois de 3 meses atrás, tudo. Não vejo valor algum em minha vida e tenho me tornado um animal, acuado e alucinado. Não há relevância nem mais em meu nome ou em minha riqueza, até mesmo minha mais agradável leitura perdeu o sentido para mim. Nada mais tem essência, e nem sabor... "
" E por qual motivo ainda não tem coragem? "
" Como assim? "
" Por qual motivo sua faca ainda permanece na sua bota? Você sequer sai dessa mansão, então do que se defenderia? Sei bem que a guarda para si mesmo, para quando não mais suportar possa cravejar ela como um adorno em seu pescoço, e da esquerda para direita abrir um sorriso feliz, um sorriso que seus lábios há muito não querem expressar, ou quiçá conseguisse tal façanha. Ainda não percebeu? Existem tantos ao redor, mas está abandonado, e nenhuma fagulha de teu socorro tem relevância. Sou o único que pode te ajudar e ainda se importa com você! "
" E o que eu deveria fazer? "
" Pegue a faca Thomas, pegue a faca de seu pai, tire ela da bota... Não é lindo como a lâmina brilha?... Vamos, bem devagar, quero que você a coloque em sua garganta. Você sente? Não, não sente não é mesmo? Sua mão não hesita mais, pois você não tem motivo algum, pois não significa nada para mais ninguém. Então junte-se a mim. Fui seu único amigo e tenho te esperado por 3 meses. Sabe o quanto me sinto sozinho? O quanto nós estamos sozinhos? "
" Me perdoe Sebastian, eu queria ter te salvado! " chorei copiosamente.
" Não fique triste Thomas, logo antes do bater da meia noite estará comungando das chamas eternas comigo, e jamais sofrerá sozinho. Podemos ficar juntos de novo, eu e você, como nos velhos tempos... Isso, com força, deslize a faca. Veja esse sangue! Sinta esse calor que abandona seu corpo! Não é maravilhoso? Não é libertador? Eu senti o mesmo quando eu abri meus pulsos na banheira. Eu fiquei boiando em sangue! Sente a delicia de morrer? Sim... Shhh... Dorme Thomas, durma... Logo poderemos estar juntos de novo, queimando no inferno por nossos pecados e por nosso amor. Afinal vivemos em um mundo sem Deus, ele abandonou eu e você por nossa condição... Venha comigo... Se deixe em meus braços, pois eu nunca te abandonei... Estaremos condenados juntos meu amigo... Meu amor... "

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