ANNE
Estou sentada no sofá assistindo um programa de culinária qualquer, Chase no meu colo dormindo há tempos, não me importo muito com os competidores, mas ver as comidas na tela fazem meu estomago roncar.
Há tanto tempo eu não como algo feito pra mim, pensando em mim. Só comidas instantâneas de mercado e alguma gororoba improvisada, meu pai e eu somos desastres na cozinha.
Se minha mãe estivesse aqui as coisas seriam diferentes, ela amava cozinhar, a cada dia uma receita nova e deliciosa. A bancada de mármore da cozinha cheia de farinha ou chocolate é uma memória doce da infância.
Então quando percebo estou chorando, ainda não acredito que ela me deixou. Chase acordou e lambeu meu rosto, quase posso imaginar ele dizendo um "vai ficar tudo bem, talvez ela volte".
Talvez porque eu queira acreditar nisso, como eu queria acreditar nisso, mas mamãe era decidida e se ela fez o que fez, nunca mais vai voltar.
Cuidadosamente tiro Chase do meu colo, e me levanto. Vou pra cozinha e coloco um avental. Cuidadosamente bordado por ela, ela está em tudo na casa.
Procuro uma receita de bolo de chocolate no livro de receitas dela.
Separo os ingredientes, em potes etiquetados por ela.
Tiro a batedeira dela do armário.
Coloco tudo na bancada dela.
Limpo as últimas lágrimas do meu rosto. Pego meu celular novamente. Coloco a minha playlist para tocar.
Hoje eu fiz o meu bolo, meu primeiro bolo. Dançando as minhas músicas, com o meu cachorro, na minha casa.
Ela foi embora, talvez volte, talvez não. O vazio que ela deixou nunca vai ser preenchido totalmente, mas eu posso me completar o bastante por agora. Chega de só ver o vazio, eu quero e posso preencher a minha vida.
Batidas na porta, meu pai deve ter chegado. Já se passam das 10 da noite. Ele entra e passa na sala, me dá um oi e estava indo para o seu quarto quando eu o interrompo.
— Tem bolo na cozinha. — Falo como se fosse algo comum na nossa casa, ele me olha incrédulo.
— Você fez um bolo? Você, que da última vez que cozinhou algo acabou explodindo um ovo cozido que parou até no teto, e sua testa. — Ele fala brincando e vai para a cozinha — Esse cheiro, é a receita de-.
Me levanto e me encosto na moldura da porta da cozinha silenciosamente.
— É a minha receita, tomei a liberdade de fazer algumas alterações. — Falo e ele se assusta pela voz atrás dele. — Talvez não esteja tão bom, mas é o primeiro de muitos, espero que esteja disposto a provar todos. — Dou risada e corro até ele para um abraço, nesse momento eu não me importo com a roupa suja dele, o horário, eu estou começando a me reconstruir e nada vai me parar.
— Enfartaria feliz com seus bolos, querida. — Ele diz no meio do abraço, não preciso olhar para o rosto dele para saber que ele está com os olhos marejados. — Agora vamos comer? Estou morto de fome.
— Esqueci dessa parte, admito que tô com um certo medo. — Rio nervosa e pego os pratos e talheres. — Bon appetite. — Digo imitando um sotaque francês.
Corto meu bolo, surpreendentemente macio e cheiroso. Até meu pai está com um ar surpreso, provavelmente por eu ter mexido no forno sem ter explodido a casa, ou a cidade.
Sirvo um pedaço pra mim, outro pra ele, Chase me olha com cara de vira lata pedindo comida e quase cedo, mas me seguro por motivos de chocolate. Talvez algum dia eu faça um que ele possa comer também.
— Nossa, isso está realmente bom, você sabe quem amaria provar isso. — Meu pai diz depois de provar a primeira garfada.
— Nossa meus parabéns a quem fez, tá realmente muito bom. — Nós dois damos risada. — Ah espera aí, fui eu quem fiz.
— Você tá diferente, o que aconteceu hoje? Bom primeiro dia de aula? — Ele pergunta enquanto mastiga o bolo.
— Ah foi um dia normal, um garoto novo, tour pela escola. — Digo como se não fosse nada.
— Um garoto novo? Na Hellster? Um dos aspectos do projeto não era escolher um grupo de alunos e manter os mesmos até se formarem? — Ele pergunta realmente surpreso, mas logo continua. — Mas e aí? Como ele é?
— Ele quem? — Pergunto me fingindo de desentendida enquanto corto outro pedaço para mim e para meu pai. — Ah não começa com essa, conheci ele hoje, ele é legal e tudo mais, aparentemente se interessa por artes e agradar outras pessoas, ou seja, grandes chances de ele ser meio trouxa.
— Parece ser um bom rapaz. — Ele para por um instante. — O seu artista tem nome?
— Max. — Digo, sorrindo. — Max Erin.
— E esse sorriso aí na sua cara? — Ele diz e um lampejo de familiaridade passa por seus olhos.
— Gostou? Por isso que usei aparelho por vários anos. — Dou uma risada abafada.
Tudo que eu sei é que paramos de conversar meia noite, mais da metade do bolo sumiu. Meu pai subiu para tomar banho, o primeiro decente em algum tempo.
Me pergunto o que o Max tá fazendo agora, me pergunto por que estou pensando nele agora e o que o artista tagarela de riso fácil tem de especial.
Amanhã talvez eu dê uma passada na área de artes, tenho que admitir que é onde passo a menor parte do meu tempo, nunca entendi o apelo disso exatamente.
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Punhal e Garra
FantasyMax Erin se tornou órfão. Ao se ver finalmente livre de seu relacionamento conturbado com o pai, o jovem artista se vê cheio de desejos e oportunidades. A mais pura promessa da vida enfim livre. Até que algo muda para sempre. Depois de um acidente...