Capítulo I

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O olhar estava centrado predominantemente na estrada com uma expressão séria e compenetrada enquanto dirigia, em um momento ou outro olhava ao banco do carona para olhar o garoto que estava com ele, seu neto. O jovem descontente olhava o seu lado da estrada, ora focava em uma placa ou um bicho morto, qualquer coisa que fosse diferente de uma árvore. Dirigia por uma estrada vicinal, de uma cidade pequena que atravessaram a cinco quilômetros atrás. A muito tempo saíram da rodovia estadual e desde então foi um labirinto de saídas desconhecidas e desvios. Entraram e saíram de vários municípios até que chegassem àquele ponto, qualquer um que não conhecesse bem a região se perderia. Rodaram mais alguns quilômetros em silêncio até avistarem uma entrada para uma estrada de terra, atravessando a vicinal. O velho desacelerou, viu que não vinha carros e rapidamente entrou na estrada de terra. Algumas partes eram terra batida – duras e boa de rodar – outras tinham areia e a caminhonete as vezes patinava para um dos lados. Todo o percurso era irregular, havia vários montinhos na estrada e as vezes um deles era mais saliente, não muito, mas o suficiente para se ouvir o barulho das malas na caçamba a pular. Os barulhos chamavam a atenção do jovem que olhava para trás preocupado.

- Não se preocupe a caçamba está selada, não vão sair de lá. 

O jovem olhava com dúvidas e suspeitas a afirmação do seu avô.

- Como o senhor foi me buscar sem nem mesmo levar corda para amarrar as malas? 

O velho cerrou levemente os olhos, não gostou do tom do seu neto, mordeu os lábios e de forma contida respondeu.

- Não foi planejado, nunca pensei que acabaria te trazendo comigo. – Sim, toda aquela situação não era para ter acontecido, mas infelizmente, não pode negar o pedido de socorro da filha.

Era confusa a situação, sua filha falava tanto que dificilmente se ouvia outra pessoa, além dela mesma. As vezes se perguntava como era possível falar tanto e mesmo assim não dizer nada. O tom triste do telefone e a tentativa tosca de conter as lágrimas dizendo frases como: "eu estou tão perdida papai", eram demais para ele. Sabia que não conseguiria nada que prestasse no telefone – apenas uma narrativa interminável sem nunca chegar no ponto – fora que odiava conversar por telefone, portanto só pode dizer uma coisa.

- Estou indo aí. – Imediatamente desligou o telefone antes que ela protestasse e foi até lá.

Demorou quase um dia para entender a situação. Assim que ela abriu a porta viu como estava; aos cacos. Após muito insistir ela se abriu, contou que o filho estava muito rebelde e agressivo, reclamava que nos últimos anos ele se tornou outra pessoa. Enquanto ela falava, ele pensava:

- Também aposto que não tem nem tempo de olhar o menino, não deve nem saber com quem anda e quem são seus professores. É um mundo cruel. Infelizmente o sistema é todo contra você e sua família – algo que bem sabia. Trabalhava tanto que não se lembrava da infância dos filhos, não tinha como se lembrar daquilo que não vivenciou. Foi a esposa que criou os filhos, ele só aparecia a noite para dormir. Nos fins de semanas – depois que passaram a frequentar a escola – preferiram ficar com os amigos tanto o sábado quanto o domingo. Depois que a sua esposa morreu, percebeu como era infeliz na vida, principalmente no trabalho. Se sentia um escravo e como os filhos já estavam criados, radicalizou, deixou tudo para trás. Seu maior arrependimento foi não ter ajudado na formação dos próprios filhos, como uma máquina, só se preocupava em trazer dinheiro para casa e não se atentou ao que realmente importava, sua família. O resultado de sua negligência estava ali na sua frente, para o atormentar, mostrando o fruto de sua escolha.

Os choros e lamurias foram interrompidos pelo barulho da porta. O jovem entrou, olhou para o avô e suspirou como se a presença dele fosse um estorvo. O cumprimentou de longe, sem nem o olhar direito, foi direto para o quarto. Era tudo que ele precisava ver. Pelo pouco que viu finalmente compreendeu a situação, sabia instintivamente o que o jovem necessitava e sabia que precisava separar ele de sua mãe para poder lhe ensinar o que precisava, disciplina. Fez uma proposta que o jovem não conseguiu recusar.

Um velho AntiquadoOnde histórias criam vida. Descubra agora