Capítulo XII

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Estava sentado vendo a paisagem. Aquele grande e calmante mar verde. Aquele sol e silencio que o levava a paz. O jovem, que havia terminado a última tarefa dada pelo velho, sentou ao seu lado e se acomodou. Normalmente ele pediria para mexer no computador, mas compelido pela vista decidiu ficar dessa vez. O velho o olha vendo e admirando a paisagem.

- Não vai aproveitar para ler?

- Tenho tempo antes de te entregar o relatório. – Era só isso uma resposta simples. Ambos ficaram lá sentados; e a paz reinou no silencio. Por vários minutos ficaram olhando a paisagem e bebendo o tereré. O jovem, enquanto dava suas goladas decidiu romper o silencio.

- Vô posso lhe fazer uma pergunta – o velho consente com a cabeça – Como identificar uma mentira?

- Porque me pergunta isso? – Questiona o velho intrigado pelo súbito interesse do neto por esse tipo de coisa.

- Bem vira e mexe a gente sempre discute e toda vez que levanto um ponto você sempre diz que é besteira, que não é bem assim, que é mentira e senhor fala com tanta convicção que depois de um tempo fiquei encucado.

- Encucado?

- Sim, encucado, como o senhor sabe que é mentira e quando não é mentira?

Ele esfregou e coçou o queixo. Pensou por um momento antes de falar.

- Vamos abordar de uma outra forma. Sabe eu tinha um colega muito mentiroso, eu nunca sabia quando mentia e quando dizia a verdade, a menos que ele deixasse transparecer. E um dia ele me falou o segredo de uma boa mentira, tem ideia de qual seja?

- Não tenho nem idéia.

- Ele me disse que o segredo de uma boa mentira é misturar verdades ou elementos verdadeiros nela, assim fica mais difícil discernir o que é verdade e o que é mentira. Um exemplo, se eu te disser que já atravessei o rio amazonas a nado, é verdade ou mentira?

- Mentira.

- Por que é mentira?

- O rio Amazonas é muito grande, não creio que seja possível atravessá-lo sem muito preparo.

- Tá vendo é ai que está o segredo da mentira. Você sabe que é muito difícil atravessar o rio amazonas a nado, tanto é que se alguém simplesmente disser que o atravessa a nado, com base na informação que você tem, você sabe que a pessoa está mentindo. Agora, se fosse um nadador olímpico? Teria mais credibilidade, mas se você parar para pensar: o que ele ganha em atravessar o rio amazonas? Você perceberá que é também mentira.

- Entendi, então se alguém disser algo que contradiga um fato, é mentira. Se alguém disser algo que mesmo que possa ser verdade, se analisar pelo aspecto do ganho pessoal dele, também dá para discenir.

- Exato, se você parar e pensar é fácil identificar. Nesse exemplo, se você questionar do porque alguém faria algo absurdo, geralmente a resposta é para se gabar e contar vantagem. Assim é com propriedades: o meu carro é mais econômico, as minhas terras são especiais e por aí vai. – Voltaram a encarar o horizonte, e durante um gole e outro, tanto de um como de outro, o velho observava que o jovem estava estranho. Não sabia o que exatamente, mas parecia contemplativo e ao mesmo tempo agitado, mesmo quando admirava a paisagem. Estavam em um silêncio maravilhoso, durou pouco:

- E se uma mulher dissesse que gosta da gente, como a gente sabe que é mentira?

O velho o olhou por um instante ciente do que se tratava e voltou a encarar o horizonte.

- É difícil – começou a responder o velho após algum tempo de reflexão – é mais fácil quando é com coisas concretas ou fatos, mas quando se trata de sentimentos é muito difícil. Pela minha experiência pessoal a cada ano que passa se torna mais difícil de acreditar no amor juvenil. Engraçado na minha juventude eu acreditava tanto nisso, e hoje – deu um suspiro de tristeza. – O que posso dizer é que não dá para saber nesse caso.

- É sério vô, quando a vovó disse que gostava de você, você não sabia dizer se ela estava dizendo a verdade?

- Não é bem assim! Quando se trata dessas coisas o que vai dizer se é verdade ou mentira não é a palavra em si, mas as ações. Se alguém disser que se importa muito com você não dá para dizer que é verdade, só suas ações vão confirmar isso. Porque não é uma história ou um relato de algo, é uma declaração. Tipo promessa. Entende? – O jovem balança a cabeça afirmando. – Então é isso, se uma pessoa diz que gosta de você, mas você observa e repara que ela em situações diversas só faz as coisas que beneficiam a ela própria dá para desconfiar, não é? No meu caso e da velha, o tempo confirmou o que sentíamos um pelo outro. Nossas ações confirmaram, o que declaramos um para o outro.

- Então não existe maneira de saber antes?

- Depende. Se você for um bom observador, dá para identificar pelas atitudes anteriores. Suponhamos que uma pessoa egoísta fala que a partir de agora vai ser generoso, eu não posso dizer que é mentira, mas posso antever que ele não vai seguir o que declarou. Uma pessoa egoísta quando diz que se importa com alguém além dele, e você testemunhou várias ações dela que deixam claro que essa pessoa só toma atitudes que beneficiam somente ela, é batata, não vai deixar de ser egoísta, não do nada.

- Tá, mas o que torna a mentira crível? O que nos faz acreditar numa mentira, mesmo que seja óbvia?

- Muita coisa. A primeira é você querer acreditar. Muitas vezes a pessoa querendo ser diferente, acredita em qualquer mentira. Você vive uma vida simples, nada demais, de repente chega alguém e fala que você pode ser especial que você pode mudar o mundo, que você é único, não que não seja. Ficam tão encantados pelos elogios que aceitam tudo que o mentiroso fala, e de repente se veem trabalhando e sendo sugados até a última gota por um salafrário.

- Entendi e as outras maneiras de tornar a mentira convincente?

- Outra é, como eu disse, é falar de coisas que a vítima não saiba, se escondendo na figura de autoridade. Por exemplo se um médico te analisar e disser que você tem que tomar um remédio x para viver, você por não ser médico não tem como contestar, e já vi médicos receitarem remédios só porque tem parcerias nas farmácias. Entende, se um advogado falar em termos técnicos, se ele te decidir te enganar, dificilmente você saberá se está sendo enganado. Só por que o advogado fala uma língua que você não entende, assim como o médico o engenheiro.

- Entendi a pessoa pode usar linguagem técnica e de figura de autoridade para impor a sua mentira como se fosse uma verdade.

- Exatamente! E por fim as duas últimas que eu conheço: uma é se utilizar de áreas cinzentas, sabe coisas que não há como saber ao certo. Eu posso dizer por exemplo que eu briguei contra um cara maior e mais novo que eu e venci, pode até haver dúvidas, mas não tem como garantir que eu esteja mentindo, afinal você sabe que eu brigo bem – o velho deu uma piscada para o jovem que deu uma sorriso envergonhado.

- E o último?

- O último é plantar dúvidas, ou subjetivar a verdade. Sabe aquela lorota que a minha verdade não é a sua verdade. Aprenda isso: a verdade é a verdade e ponto final.

- Nossa o senhor conhece muito sobre esse assunto, como aprendeu tudo isso?

- Trabalhei muito em conjunto com advogados, juízes, empresários e políticos. Acordos, negociações e por aí vai. Muitas dessas pessoas eram tremendos loroteiros, depois de um tempo observando você começa a identificar o padrão.

- Por isso o senhor odeia políticos?

- Não, não é por isso. Eu odeio políticos por que são hipócritas, pelo menos a maioria.

- Hipócritas?

- Sim hipócritas, sabe como é cagam um monte de regra, querem dizer como devemos viver, o que é certo e errado, e quando você olha para a vida deles você vê que eles praticam o contrário do que dizem, principalmente sobre moralidade.

- Então o senhor já lidou com...

- Vamos parar de falar desses assuntos garoto, e vamos só admirar essa beleza que Deus nos deu.

Voltaram simplesmente a beber a admirar a natureza que estavam ao seu redor, em silêncio. Sim, no doce silêncio.

Um velho AntiquadoOnde histórias criam vida. Descubra agora