Um velho Antiquado

Capítulo VIII

Quando morava sozinho, comprava e estocava o suficiente para o mês. Agora, desde que o jovem mudou para sua casa os mantimentos não duravam como antes. O freezer e a geladeira são pequenos, se fosse somente ele era o suficiente, mas agora com o jovem e seu apetite desordenado a comida não durava uma semana. O jovem quando começou a trabalhar no sitio não tinha tamanho apetite. A medida que ganhou músculos – ainda que pouco – também ganhou apetite. O velho não gostava de ir à cidade, simplesmente não gostava de gente. O jovem sempre a procura por um motivo para sair do isolamento do sítio abraçava qualquer oportunidade. Toda vez que o velho saia ele queria ia junto. O velho negou nas primeiras vezes, mas insistiu tanto que cedeu.

Sempre que iam à cidade a primeira coisa que o jovem fazia era pegar o celular e dificilmente prestava atenção em outra coisa. Só desgrudava quando falava com algum conhecido da escola, ou para discordar do velho em alguma opinião ou declaração. De tempos e tempos eles sempre discutiam sobre algo. O tema, dessa vez, era a melhora da sociedade, mas os meios eram muito diferentes. Os valores dos dois eram diferentes, por isso eles sempre tinham discussões sobre variados temas. Educação, justiça e governo, este último tópico era o que gerava as maiores discussões. De modo geral o velho pensava que o ser humano e a sociedade só melhorariam se dependessem cada vez menos de políticos e da estrutura de governo, e se tornassem mais dependentes uns dos outros. Sim em lugar de dependermos de um burocrata deveríamos depender uns dos outros, ajudar nas dificuldades um do outro, algo que ele mesmo admitia que não seria possível pela própria natureza do homem. Já o jovem cria justamente o contrário que deveríamos depender de um governo mais forte, mas tinha que ser justo. Quando iam à cidade começavam e não paravam de falar; argumentar e contra argumentar. Um certo dia quando o velho ia saindo para comprar os mantimentos da semana, o jovem foi com ele. Ao chegarem no mercado viram um mendigo com uma caixa de balas, com uma pequena e precária placa informando que vendia as balas e bombons a 1 real. Andaram e viram suas roupas sujas e rasgadas, sujeira que encobria sua pele, cabelo rebelde e ensebado e a magreza de quem não tem a muito tempo uma refeição decente. O jovem que geralmente sempre olhava mais para o celular o olhou atentamente. Dentro do supermercado o velho foi direto para o corredor do arroz. Enquanto o velho olhava os pacotes e comparava os preços, o jovem que olhava para o celular de repente parou e começou a olhar para cima com um olhar reflexivo e coçava ora a cabeça ou o queixo. O velho eventualmente viu o que fazia, não conseguindo ignorar tamanha expressão de esforço mental, não se conteve a perguntar:

- O que está pensando?

- Eu? Estava pensando no mendigo que vimos na entrada do supermercado.

- O que tem ele? – Perguntou o velho com pouco interesse.

- Pensava em como é lamentável a situação dele - enquanto o jovem falava o velho pegava dois pacotes de arroz e já empurrava o carrinho para a gondola onde tinha feijões.

-Realmente é infeliz a situação dele. Por que está pensando nisso? – O velho olha os feijões e olha os preços das marcas disponíveis. O jovem que acompanhava o velho as vezes olhava uma ou outra moça bonita que passava por eles.

- Ah você sabe vô, estava pensando nisso porque o cara é fruto de tudo que vigora no mundo. É triste que por causa da injustiça do mundo ele acabe na situação que ele está, entende? – Jovem volta para o celular após falar. O velho pegava três pacotes de feijão e já empurrava o carrinho para a gondola da farinha.

Enquanto empurrava o carrinho pensava consigo mesmo – Que droga hoje ele acordou inspirado para falar dessas coisas. Tanta preocupação, mas não disse nada de concreto. O mundo é injusto. E daí? O mundo não é só injusto para uma pessoa ou um grupo. Afinal, aonde ele tá querendo chegar com esse papinho? – Viu as duas marcas de farinha que mais gostava.