Capítulo V

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A outra semana foi muito agitada. Continuava ensiná-lo a trabalhar, o que na prática dobrava o seu trabalho. Juntando a primeira semana, que foi exaustiva, ficou tão cansado que domingo quase não foi a igreja. Pelo menos estava tendo progressos com seu neto, era o que ele pensava. Depois de mais algum tempo começou a melhorar no trabalho, e começou a fazer amizade com o pessoal da igreja e da escola, amigos diferentes podem influenciar de forma diferente, era nisso que o velho acreditava. No dia a dia do sítio o jovem, a princípio, reclamava querendo usar o computador. Durante o dia tinha horas livres e nada a fazer. O velho não liberava o computador durante o dia e o jovem ansioso mexia em seu celular sem sinal. Hábito que foi desaparecendo, ele agora deixava o celular carregando na casa para poder usar quando fosse na cidade ou na igreja, mas eram um tempo muito limitado. 

Um dia cansado do tédio e de olhar a paisagem resolveu checar o cômodo que seu avô comentara. A primeira coisa que viu era um estante simples com alguns livros, acendeu e a todos olhou os títulos. Havia livros de variados gêneros como romance, policial, ficção e demais. Alguns autores ele reconheceu, os clássicos, como Machado de Assis, José de Alencar, Graciliano Ramos, Jorge Amado e outros. Também tinha os internacionais como Conan Doyle e Agatha Christie, pela quantidade de romance policial era perceptível que esse era o gênero preferido do velho, achou também alguns livros estranhos de George Orwell. O jovem ficou impressionado com a variedade de livros que o velho tinha, depois se atentou a alguns baús e os abriu. Mais livros. Eram diferentes, eram livros técnicos, muitos de direito, contabilidade e administração. – Devem ser livros de consulta no tempo que vovô trabalhava na cidade – pensou o jovem. O outro tinha livros de filosofia e política, e alguns livros de histórias gregas. O jovem não quis contar, mas achava que o velho tinha quase duzentos livros. Nesse dia em especial não pegou nenhum, preferiu ficar no ócio. Um dia não suportando mais o ócio decidiu ler um. Pegou Machado, Dom Casmurro, afinal recomendaram esse livro na escola não custaria ler pensou consigo. Naquela semana, sempre na mesma hora o jovem folheava o livro. As vezes o velho estava na casa e via ele lendo; alguns pontos que lhe chamaram a atenção. Toda vez que ele lia não dava dez minutos bocejava, as vezes até mesmo pescava. Percebia que demorava demais nas folhas. – Esses são sinais de alguém que não lê - pensou o velho. Olhou o livro viu que estava na metade.

- Está gostando da história? – Questiona o velho.

- Parece legalzinha. – Respondeu o jovem sonolento.

- Legalzinha, sei. Me diz uma coisa você sabe me dizer o que é casmurro? – Pergunta o velho com um olhar desconfiado.

- Ah sei é o nome do sujeito – respondeu após um tempo pensativo.

- Nome!? Não, é o apelido, o nome dele é Bento!

- Ah sim é apelido, só me confundi – justificou, vermelho de vergonha, o jovem.

- Sei, só que eu não perguntei quem é, mas o que é casmurro, o que significa a palavra.

- Ah, não sei vô, eu li, mas já esqueci. – O jovem responde com tanto desinteresse que quase irritou o velho. Ora se vai fazer algo sem interesse melhor é não fazer – pensou o velho.

- Significa teimoso, ignorante. O que deveria saber já que está lendo o livro, porque ele no começo explica o apelido – respondeu com um gosto amargo na boca, não achava correto explicar algo tão simples.

- Mas o que isso importa vô, é uma palavra que ninguém usa.

- Não! É uma palavra que você não conhece – respondeu o velho com exaltação.

- E o que tem de mais.

O velho esfrega a testa em agonia.

- Vou te dizer uma coisa, vocês jovem não dão bola, mas fique sabendo as palavras tem poder quando você não conhece direito as palavras, se torna uma pessoa fácil de ser enganada. – O jovem não responde apenas desdenha com os ombros. Aquilo irritava o velho, se sentia na obrigação de alertá-lo sobre um dos maiores poderes desse mundo, um poder que sempre passara despercebido pelos jovens. Sim, quando era jovem também ignorava a importância das palavras e pagou um preço amargo por isso. Na verdade, ele só foi perceber que estava sofrendo quando realmente começou a prestar atenção nas palavras, antes vivia em ignorância, sofria e nem sabia. Só foi perceber a importância das palavras graças ao trabalho vendo no dia a dia como o significado das palavras podia ser alterada para induzir pessoas ao erro, condenou muitos, e isso lhe amargurava.

Um velho AntiquadoOnde histórias criam vida. Descubra agora