6

102 14 0
                                    

QUANDO COMPREENDEU A DIMENSÃO do que fizera, Sana pensou em fugir. Tinha esfaqueado Kor nas costelas sem se importar se aquela ferida poderia matá-lo. Tinha tacado fogo na Amante do Mar e levado com ela o único barco a remo, sem considerar que talvez parte da tripulação não soubesse nadar. A atitude inteligente seria fugir. Mas, se fizesse aquilo, Jemsin mandaria todos os piratas do Mar de Prata atrás dela, sem falar do seu convocador. Então ali estava, rastejando de volta ao porto como um cão indo até seu mestre. Querendo morder, mas sabendo que isso só terminaria em um chute rápido nas costelas.

Sana se movia como uma nuvem de tempestade pelas ruas ensopadas de chuva de Darmoor. Fazia quase três dias que deixara a Amante do Mar queimando no Mar de Prata. Tempo mais do que suficiente para Jemsin saber o que tinha acontecido. Quando ela fechava os olhos, ainda podia enxergar as velas pegando fogo. Ainda sentia o cheiro acre da fumaça nos seus pulmões.
A memória da última vez que tinha visto algo queimar relampejou novamente.

Ela a afastou.

Independente da punição que Jemsin guardava para ela, era melhor resolver aquilo de uma vez.

Sana caminhou pelas lojas, pelos estabelecimentos públicos e pelas lâmpadas a óleo enfileiradas pelas ruas. Cerrou os dentes quando chegou ao Papo Sedento. Karsen estava na frente, facilmente identificável pela enorme barriga de cerveja que parecia um barril e uma barba que parecia estar cultivando pelo menos três tipos diferentes de mofo. Ele grunhiu um olá e abriu a porta. Sana pisou no chão grudento de sabia-se lá o que e esbarrou em alguém que estava de saída. Provavelmente um marujo que tinha gasto seu último pagamento em comida, bebida e mulheres. Ela balançou a cabeça, lamentando. Conhecia bem aquele tipo de gente.

Seu olhar encontrou o de Kiya, atrás do bar, que assentiu discretamente com a cabeça, informando com um pequeno gesto tudo o que Sana precisava saber: Jemsin e o resto da tripulação estavam no andar de cima, no quarto de sempre.

A ladra sorriu em agradecimento e caminhou até as escadas. Mas tinha alguém descendo, bloqueando seu caminho. Assim que Sana viu o rosto, seu coração palpitou e ela deu um passo para trás de Karsen. Uma jovem com um ninho de ratos de cabelos vermelhos e tatuagem de gaivota no braço pálido caminhava diretamente para o bar.

Rain.

Ao vê-la, o peito de Sana apertou. Ela se escondeu nas sombras embaixo das escadas, agachada ao lado de engradados de uísque, enquanto observava Rain falar com Kiya.

Teria a tripulação da Amante do Mar sobrevivido ao incêndio? A ideia originou uma onda de alívio nela. Apesar da raiva que sentia de Kor, Sana não queria o sangue dele nem o da tripulação sujando suas mãos. Mas, como Rain tinha chegado a Darmoor junto com ela? Era impossível. A menos que outro navio tivesse visto a Amante do Mar queimando e tivesse ido ajudar.

Diabos, pensou Sana.

Ela ouviu Rain falar em “Dançarina da Morte”.
Kiya deu de ombros inexpressiva enquanto limpava uma caneca de cerveja e a colocava de volta na prateleira.

Não a temos visto.
— Tem certeza?

Kiya levantou a cabeça, arqueando uma sobrancelha negra em um movimento que Sana sabia por experiência própria ser dois terços bonito, um terço perigoso. Kiya deu seu sorriso diabolicamente doce.

Ela costuma ficar naquele lugar do Moll quando está na cidade. Por que não tenta lá?

Rain estudou Kiya intensamente por um longo momento. Depois passou os olhos pelo salão de refeições, grunhiu em agradecimento e foi embora.

Sana saiu de onde estava. Fez uma continência para Kiya, que lhe deu uma piscadela, então subiu a escada, pulando os degraus. O quarto habitual de Jemsin ficava no final do corredor do andar mais alto.

Enquanto se aproximava, Sana se alongou, girando pescoço e ombros para tentar se livrar da tensão acumulada no caminho até ali.
Por fim, ela respirou fundo e bateu na porta do jeito que Jemsin havia ensinado todos aqueles anos antes. Quando abriram, o brilho laranja de uma lanterna fez Sana apertar os olhos.

Boa noite, camaradas — ela disse lentamente, forçando um sorriso preguiçoso ao levantar o braço para bloquear a luz.

Quando a pegaram pela camisa, Sana sabia que não devia tentar resistir.
Eles a puxaram para dentro e bateram a porta atrás dela.

the weaver of heaven - SatzuOnde histórias criam vida. Descubra agora