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SANA PERMANECEU QUIETA ao ver Tzuyu de pé em sua cama de infância, segurando sua boneca junto ao peito.

Sinto muito — Tzuyu falou.

Sana ouviu as palavras, mas já não via a garota à sua frente, somente o quarto que deixara para trás.

Estava exatamente igual, intocado pelo fogo. Sua cama. Seu tear. A lã que ela mesma havia pintado e fiado.
O cheiro a fez pensar em uma época mais feliz. Quando tinha um lugar para chamar de lar e pessoas que considerava sua família.

Eu devia ter acreditado em você. — As palavras de Tzuyu tremiam, como se ela estivesse prestes a chorar.

A comandante voltou a entrar em foco para Sana. Estava encharcada da tempestade. Seus longos cílios pretos grudavam, e o vestido azul colava em sua silhueta.

Eu não devia ter chamado os guardas. — Sua testa enrugou de maneira severa. — E as coisas que eu disse…
Tipo garantir à imperatriz que me mataria da próxima vez que me visse?

Tzuyu desviou os olhos, e seus ombros afundaram de vergonha. Ela parecia infeliz e pequena, e não a garota toda orgulhosa e corajosa que a outra tanto admirava.

Sana não se conteve e foi até ela.

Ei — ela disse calmamente, observando uma lágrima quente escorrer pela bochecha de Tzuyu e querendo secá-la, mas sem ousar fazê-lo.

Por que ela estava chorando? Por causa de Sana? — Eu também não teria acreditado em mim.

Ela pegou a boneca das mãos de Tzuyu, que Day trouxera do mercado em um verão e que ela chamava simplesmente de Boneca, porque achara que aquilo era inteligente.

Pressionou o rosto no vestido da boneca e respirou fundo. Mas ela cheirava somente a poeira e umidade, sem nenhum traço da sua antiga vida.

Então Sana a recolocou onde Tzuyu a encontrara.

Quero te mostrar uma coisa — ela disse, encarando os olhos azuis brilhantes da outra. — Você vem?

Tzuyu assentiu, enxugando suas lágrimas.
Pegando sua mão, Sana a levou embora do aposento.

Ela a conduziu de volta pelo scrin, depois desceu um caminho de cedros que atravessava o bosque, indo para longe dos penhascos.

Enquanto o fazia, passava o dedão na pele de Tzuyu de um modo gentil e vagaroso, imaginando se aquilo acelerava seu coração como fazia com o dela mesma.

Sana não ficou olhando para descobrir. Porque o céu estava clareando, e logo chegaria a alvorada. Ela queria chegar antes que o sol nascesse.

Finalmente, as árvores dispersaram e o caminho terminou. Tudo o que havia diante delas era uma faixa de areia envolvendo uma baía pequena e rasa. Ao soltar a mão de Tzuyu, Sana sorriu.

Está vendo só? Raif não é o único que tem uma praia secreta.

Inclinando-se, ela tirou as botas. Após enrolar as calças até os joelhos, entrou no mar. A água envolveu seus tornozelos, exalando seu cheiro salgado, numa mensagem de boas-vindas.

Sana fechou os olhos e respirou fundo.

Um segundo depois, ela ouviu os respingos atrás de si e viu a bainha do vestido azul de Tzuyu amarrada na altura do seu quadril.

Lado a lado, elas observaram o sol nascer vermelho.

E aí? — Sana queria saber se havia acertado.

O jeito como Tzuyu a olhava a deixou sem ar.

Afinal, você é ou não o tipo de garota que gosta de ver o sol nascer?
As bochechas da outra ficaram coradas, e ela desviou o olhar.

Sana? — ela falou, esquivando-se da pergunta. — Aquilo que você me disse na varanda da imperatriz foi pra valer?

A ladra se lembrou da surpresa nos olhos de Tzuyu ao fazer sua confissão descuidada.

E pensar que imaginei estar apaixonada por você.

Ela devia negar. Ou melhor ainda: tirar sarro daquilo. Poupar-se da humilhação.

Eu… — Foi a vez de Sana desviar o rosto. — A primeira vez que a vi, queria desprezar você. — Ela continuou olhando o mar que espumava ao redor. — Uma comandante que tinha assumido a posição só por ser prima do rei? Uma princesa com uma vida confortável e privilegiada sem nunca ter dado duro? Você representava tudo o que eu odiava… ou foi o que pensei. — Sana mordeu o lábio.

Estava mesmo admitindo aquilo em voz alta?

Eu via o que queria ver. Principalmente porque da primeira vez que nos encontramos você feriu meu orgulho.

Tzuyu ergueu a cabeça.

Quê? — Ela parecia confusa. — Como?
Eu tinha acabado de roubar uma tapeçaria do seu escritório. Você deu de cara comigo, me olhou de cima a baixo e já me descartou.

Tzuyu ficou boquiaberta de surpresa.

Tinha havido uma violação de segurança — disse ela, na defensiva. — E você usava um uniforme de soldat. Faço questão de não notar meus guardas, não assim. Não é profissional.
Ah. — Sana sorriu um pouco. — Entendi. Bem, aquilo me aborreceu. Mais do que isso até. Depois, decidi que não só queria fazer com que me notasse, mas com que não conseguisse parar de pensar em mim. —Ela prosseguiu mais calma---Queria te enlouquecer do jeito que você tinha me enlouquecido.

Tzuyu ficou pensativa, e a cor voltou para suas bochechas.

Bem, você conseguiu.
— Mesmo? — perguntou Sana, estudando-a. As duas se entreolharam.

Eu falei sério na varanda — Sana sussurrou, aproximando-se. — Você é corajosa, nobre e boa.

Ela ergueu os dedos hesitantes para acariciar gentilmente o rosto de Tzuyu, depois seu pescoço. — Como eu não me apaixonaria por você?

Tzuyu respirou fundo. Seus olhos  brilhavam enquanto deixava Sana tocá-la.

Pensei que não se interessasse por princesas mimadas.

Sana pegou a faca que prendia o cabelo de Tzuyu.

Só disse isso para aliviar sua barra. — Ela puxou a faca, espalhando o cabelo de Tzuyu sobre seu pescoço, depois enfiou a mão no cabelo dela.

Você é exatamente meu tipo. — Sana encostou os lábios no pescoço de Tzuyu, sentindo sua pulsação como uma chuva tempestuosa. — Suave e forte, e muito, mas muito bonita — ela murmurou. — Quando estamos juntas, quero ser alguém melhor. Quero merecer você.

Suas palavras pareceram alcançar Tzuyu, que deslizou as mãos sob a camisa de Sana e por sua pele, percorrendo suas costas.

As mãos da ladra tremeram ao alcançar o pescoço da comandante.

Desejando aquele momento, desejando Tzuyu, mais do que já desejara qualquer outra coisa.

Quando Sana cobriu a boca de Tzuyu com a sua, a comandante retribuiu seu beijo, faminta.

A onda veio, passando por suas pernas. As duas a ignoraram. As ondas vieram mais fortes e mais rápidas, até que uma quase as derrubou, mergulhando-as em água fria.

Tzuyu perdeu o ar com o susto. Sana riu.

Venha — ela falou, puxando o braço de Tzuyu.

Então aquilo era felicidade?

Elas voltaram tropeçando para a praia. Sana caiu na areia, derrubando Tzuyu junto com ela, as duas desejando terminar o que tinham começado enquanto o sol se erguia sobre o mar.

Sana aproveitou o momento e usou seu fuso para ir à um lugar mais aconchegante.

the weaver of heaven - SatzuOnde histórias criam vida. Descubra agora