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NUNCA FALHEI COM ELE.
As palavras de Sana retumbavam na mente de Tzuyu enquanto ela e Martírio voavam pelo céu limpo.

Ela tinha sido inocente em pensar que a Dançarina da Morte desistiria de caçar Asha. Jemsin tinha feito um acordo com Sana, e Tzuyu agora sabia o que aconteceria se não fosse cumprido.

Pensara que poderia proteger Sana, mas ao encarar aquela criatura, com seus olhos sangrentos e sua boca voraz, entendera o que a ladra enfrentava.

Devia ter voltado para a cidadela e falado com Dax. No entanto, ela e Martírio voaram direto para o esconderijo de Asha na enseada.
Dagan mora na casa amarela, sua prima dissera. Você pode nos encontrar lá depois.

Mas, quando Tzuyu passou pela porta da casa, não foi Asha que ela encontrou. Foi o rei.
Ele estava na janela de frente para o mar, com as mãos cruzadas atrás das costas.

Dax… — Tzuyu fechou a porta atrás de si. — Estou tão feliz que esteja aqui. Cadê a…
— Viram você — ele disse sem nem olhá-la.

Tzuyu interrompeu seus passos quando seu coração deu um pulo.

O quê?
— Hoje de manhã — disse ele. — Na praia.

Tzuyu franziu a testa, confusa. Na praia?Finalmente, Dax se virou. Foi aí que ela notou que havia algo de errado. Seu primo a olhava como se fosse uma estranha.

A imperatriz tinha soldados vigiando o scrin. Caso a Dançarina da Morte voltasse. — Seus olhos castanhos normalmente calorosos estavam angustiados. — Eles disseram que viram vocês na praia.

Tzuyu engoliu em seco, entendendo o que ele dizia.

A imperatriz adiou seu mandado de prisão.

Ele desviou o olhar, como se fosse difícil dizer aquelas palavras. Como se não fosse Dax, seu primo e seu amigo, que falava com ela, mas alguém completamente diferente. Alguém que precisava se distanciar dela.

Implorei a ela por clemência — disse ele. — Se eu conseguir convencer você a entregar a fugitiva

Por que ele está falando assim de Sana? Ele sabe o nome dela…

Leandra perdoará sua transgressão — Dax concluiu.

Tzuyu olhou para ele. Aquele era o rei que ela havia ajudado a assumir o trono. O amigo que buscava quando precisava de conselhos. Se tinha uma pessoa que Tzuyu queria que pensasse bem dela, era Dax. E ele nem tinha perguntado a ela seu motivo. Não confiava nela o bastante para supor que tivesse uma boa razão para estar naquela praia. Porque ele pensava que Tzuyu estava sendo manipulada. Que era fraca demais para entender a verdadeira natureza de Sana.

E se eu me recusar? — Tzuyu se forçou a dizer.

Dax voltou a olhar para ela.

Está considerando algo do tipo?

Tzuyu não disse nada, só esperou a resposta.

Você será presa, Tzuyu. A imperatriz vai considerar seu ato como uma violação da nossa aliança. — Ele se virou completamente para ela, implorando. — Se não entregar a fugitiva, Leandra não vai nos dar as sementes que prometeu. Os nativos vão morrer. A família de Roa vai morrer. Não entende a situação?

Tzuyu sentiu um aperto no coração. As sementes. Ela entendia perfeitamente.

Ou eu entrego Sana para uma morte que ela não merece — disse ela — ou privo os nativos das sementes de que precisam para não morrer de fome. É essa a escolha que está me dando.
— Essa é uma escolha que você impôs a si mesma — disse ele, com uma expressão sombria.

Tzuyu deu um passo na direção do primo, desafiando-o.

— Sana pode ser uma ladra, mas não é uma assassina. Não passava de uma criança quando o scrin queimou. As pessoas atrás daqueles muros a estavam protegendo. Foi a imperatriz que matou todo mundo.
— Foi isso que a fugitiva falou? — perguntou Dax, mantendo-se distante.
Ao ver a resposta nos olhos da prima, ele fechou os punhos. — Isso não faz sentido nenhum, tzu. Por que a imperatriz ia querer queimar um templo cheio de tecelões?
— Não sei — disse Tzuyu. Mas ela pretendia descobrir.
Não percebe o que está acontecendo? Você virou cúmplice de uma criminosa. Ela está usando você.

Tzuyu estudou seu rei, parado à janela, iluminado pela luz do entardecer. Ele tem que acreditar nela, compreendeu. A salvação da savana dependia daquelas sementes. Se Dax não acreditasse em Leandra, estaria falhando com os nativos. Deixaria a praga levar o povo de Roa para uma condição de ainda mais fome, pobreza e morte.
Acima de tudo, ele falharia com Roa. E aquilo era inaceitável para ele.

Tzuyu entendia, mas aquilo partia seu coração. Ela não queria que Dax falhasse com os nativos. Queria que ele os salvasse. E, para conseguir aquilo, o rei não podia ficar do lado dela. Precisava se manter do lado de Leandra.

Dax — ela disse calmamente. — Quando me nomeou sua comandante, passou a ser meu dever garantir o cumprimento da lei. Você tornou minha missão escolher sempre o que é certo, bom e justo. — Ela sustentou seu olhar. — Sinto muito por não poder provar o que digo no momento. Queria ser capaz disso. Mas sei no fundo do meu coração que entregar Sana para a imperatriz seria entregar uma inocente nas mãos de uma facínora. E, mesmo que isso signifique ficar contra você, Roa e até nosso reino, é o que tenho que fazer.

Dax olhou para ela, abrindo e fechando as mãos, como se estivesse diante de uma terrível escolha.

Não posso me opor a ela sem provas — ele disse, meio que para si mesmo. — Se eu voltar para a cidadela e disser o que acabou de me falar, a imperatriz vai enviar seus soldados para prender você. Você será detida por ajudar uma inimiga da Tecelã do Céu. Não há nada que eu possa fazer para impedir. — Ela podia ver que Dax estava de coração partido. — Só existe um jeito de salvar tanto você como os nativos.

Tzuyu franziu o cenho.

Como assim?
— Sinto muito, Tzuyu — ele sussurrou. — Como não posso mais confiar em você, eu a removo do seu posto.

Tzuyu caiu para trás, perdendo o ar.

O quê?
— Você não é mais minha comandante.

Aquelas palavras provocaram uma sensação de vazio nela.

Mas… meu lugar é ao seu lado.
Dax não era apenas seu amigo mais querido. Era sua família. Os dois sempre defendiam um ao outro.

Ele sacudiu a cabeça.

Não vou sabotar a aliança. O povo de Roa precisa desesperadamente dela. Tampouco assistirei a soldados prendendo você em uma cela.
— Dax, por favor. — Tzuyu deu um passo na direção dele, imaginando se seria tarde demais para voltar atrás. Para mudar de ideia e fazer o que ele pedira. Mas aquilo ia contra a sua própria consciência. — Para onde eu vou?

O mais importante era: e se ele precisasse dela? Entraria sozinho na cidadela para dar uma notícia que a imperatriz não ia gostar de ouvir. E se Leandra punisse seu primo em vez dela?

Dax, é perigoso demais…
Ignorando-a, ele pegou sua jaqueta no encosto da cadeira e a vestiu.
Vá para o mais longe que puder — disse ele, indo para a porta. — Saia dessas ilhas, Tzuyu. São ordens do seu rei.

the weaver of heaven - SatzuOnde histórias criam vida. Descubra agora