A QUINTA NOITE

59 1 0
                                    

DIA DE VERÃO

Quando o leste pálido brilha como uma pérola rosada
E o vento lírico do amanhecer sopra nos prados,
A manhã surge como uma garota apressada
Dançando com as sombras de espíritos alados;
Brincando sobre o orvalho da grama,
Em meio aos pinheiros, espiando entre as ramas,
E o riso que nasce de infinitos regatos
Chega aos seus ouvidos no meio do mato.

Ela canta uma canção alegre e feliz
Com o coração transbordando euforia matinal,
Pede que esqueçamos os dias mais hostis
E todo o seu fardo de desalento mortal;
Seus delicados pés sobre a relva amiga
São brancos como as margaridas que a primavera abriga...
Uma ninfa virgem do bosque ela é...
Uma divindade envolta em um manto de fé.

O meio-dia é uma feiticeira sonolenta,
Papoulas semeadas em um vale assombrado,
Cortejando a todos com sua carícia lenta
Para com ela vadiar onde o vento sul é soprado;
Preguiçosamente, ela tece um feitiço divino,
Suave como uma canção e encantador como um sino;
Preguiçosamente, ela acena... venha comigo,
Hoje seremos dela, esqueçamos o perigo.

Perfume de incenso, almíscar e rosas
Pairam no hálito de seus beijos de mel,
Toda a magia das tardes airosas
A nós pertence tal qual benção do céu;
Ela nos oferece seu cálice de fantasias
Repleto com o néctar de lagoas vazias,
Sob o domo do plácido céu a brilhar
Nós bebemos e observamos o mundo passar.

As noites chegam como um anjo belo
Sobre os morros da glória ocidental,
Com a luz das estrelas adornando-lhe o cabelo
Em seus olhos luzentes, uma história divinal;
Caminhando graciosamente pelos campos,
Rodeada pela paz e pela luz dos pirilampos,
Trazendo junto ao peito alvo lembranças
Tão estimadas quanto inocentes crianças.

Sob os pinheiros ronronantes ela canta
Onde o orvalho límpido e frio cai sobre a terra,
Sua sabedoria revela e encanta,
Sua voz entoa como um grito de guerra.
Ela ensinará o mistério sagrado
Da escuridão que assola o terreno não cultivado,
E todos saberemos, antes de adormecer,
Que nossas almas serão suas ao anoitecer.

Anne Blythe



Anne:

- Devia ter assinado "Anne Shirley". Eu escrevi esse poema quando era adolescente.

Doutor Blythe:

- Então você já tinha aspirações poéticas na época e nunca me contou?

- Anne:

- Escrevi quando morava na Casa da Patty. E não estávamos nos entendendo muito bem naqueles dois últimos anos, lembra? Você teria se casado comigo se soubesse?

Doutor Blythe, provocando:

- Ah, provavelmente. Porém ficaria totalmente apavorado. Sabia que você escrevia contos, mas poesia é outra história.

Susan, entendendo tudo de forma literal:

- Que ideia!



LEMBRADO

Em meio à balbúrdia da cidade consigo ouvir
O sussurro de um riso a tinir;
No campo e no mar, a escuridão a rugir;
Flores de macieiras na noite gelada
Fantasmas de névoa na rua enluarada,
E a lua nova se recolhe a chorar
Atrás de um morro que se pôs a rezar.

Eu havia esquecido o morro de abetos,
Com seu vento de escuridão soprando discreto,
Povoado pelas aves e pelos insetos.
Mas agora penso nele e sei
Que meu coração para sempre lhe dei;
Vento e estrelas lá são bons amigos
E duendes e fadas encontram seu abrigo.

As pessoas fogem por me acharem insana,
Mas pouco me importa essa ótica mundana;
Sombras e silêncios se encontram na paisagem serrana
Em torno de uma velha casa cinza que me faz suspirar
Em meio aos morros e clamando pelo mar,
Onde sob a magia do crepúsculo é possível
Encontrar o delicioso passado intangível.

Vermelhas são as papoulas nos campos germinados;
Esparramando sua seda pelos caminhos traçados,
Brancos são os lírios como morros nevados.
E as rosas que aguardam junto à porta aberta
Esperam por um novo momento de descoberta;
As campânulas tilintam um ritmo mágico
E do tempo ninguém será um escravo trágico.

Lá, eu poderia ficar novamente sozinha
Com a noite a zelar tal qual uma madrinha...
Voltarei para lá, para a casa minha.
Com os sonhos a me guiar, eu então partirei
Rumo ao morro que ora e ao lar que deixei,
Onde a natureza oculta, com seu manto florido,
Um segredo mais valioso que meu ouro corroído.

Anne Blythe



Anne, rindo:

- Escrevi esse poema há vinte anos, em Redmond... E nunca consegui que um editor o aceitasse.

Susan, por cima do tricô:

- O que demonstra a incompetência deles, cara senhora Blythe. Mas, por falar em flores de macieiras, receio que teremos uma colheita fraca neste ano. Quase não há botões.

Walter:

- Mas sempre há luas novas. Vi uma ontem à noite no Vale do Arco-Íris.

Susan:

- Admito que já vi morros que pareciam estar rezando. "Não seja tão fantasiosa, Susan", minha mãe costumava dizer. Mas, com relação aos duendes e às fadas, quanto menos contato se tiver com eles, melhor, na minha humilde opinião, cara senhora Blythe, mesmo que eles existam, o que não é verdade.

Walter:

- Como você sabe, Susan?

Susan:

- Porque eu nunca vi.

Walter:

- Você já viu uma pirâmide?

Susan, surpresa:

- Não há como passar a perna em você.

Doutor Blythe:

- A casa deveria ser verde, e não cinza, não deveria?

Anne:

- Sim, mas "cinza" me parecia mais romântico, na época.

Doutor Blythe:

- Lembro-me dos lírios de junho em Green Gables... Mas, quanto a ser escravo do tempo, todos nós acabamos sendo, de um jeito ou de outro, menina Anne.

Susan:

- Mas boa parte depende de quem é o seu patrão.

Jem:

- O ouro, seja corroído ou não, é uma coisa muito necessária neste mundo, mãe.

Susan:

- É muito sensato da sua parte.

Doutor Blythe:

- Desde que você não seja escravo dele, Jem. Talvez seja por isso que os editores não aceitaram seu poema, Anne. Eles não vislumbraram dinheiro suficiente para serem empáticos com o seu desdém pela riqueza.

Os Poemas dos Blythes Onde histórias criam vida. Descubra agora