ALMA DE PARTIDA
Escancarem a porta e abram a janela
Para aquela que se vai
Na noite que na orla se revela
Como um rio escuro que a vida subtrai;
A angústia rítmica da batida de nossos tristes corações
Não deve impedir alma alguma de partir com sua canções.Ouçam como as vozes do vento espectral
Clamam por sua chegada!
Quantos parceiros de aventuras ela encontrará, afinal,
Quando chegar de sua jornada
Pelo pântano estrelado e o vale cretino?...
Soltem-na e permitam que siga seu destino.Escancarem a porta e abram a janela...
O chamado está mais claro!
Do que nós, que tão queridos fomos para ela,
Há alguém mais caro
Quando seu amado amante, a Morte, por ela espera;
Devemos nós abraçá-la com as lágrimas de quem esmera.Anne Blythe
Doutor Blythe:
- Vou proibir você de escrever esse tipo de poema, Anne. Já vi mortes demais...
Susan:
- E o senhor já viu alguém morrer quando não havia nenhuma porta ou janela aberta, doutor? Ah, sim, pode chamar de superstição, mas fique atento de agora em diante.
Anne, baixinho:
- Walter escreveu os dois primeiros versos antes de... partir. E... eu achei que seria bom terminá-lo.
MINHA CASA
Eu construí uma casa para mim no final da rua
Onde os pinheiros altos se alinham em uma fila,
Com um jardim ao lado em que, nos amores-perfeitos
E narcisos roxos e dourados, a abelha sibila;
Tem janelas pequeninas, uma porta sempre aberta
Com vista para a longa trilha que desce das montanhas,
Onde o sol pode brilhar em meio ao entardecer azul do verão,
E nas noites de inverno, frias e estranhas,
Acenar em cumprimento a todos que estão a perambular...
É uma bela e agradável casinha, mas ainda não é um lar.Requer o banho do luar prateado e turvo,
Requer névoa e uma capa de chuva cinza,
Requer o orvalho do crepúsculo e o vento da alvorada
E a magia incomparável da geada ranzinza;
Requer um cachorro que lata e abane o rabo,
Requer gatinhos a brincar e ronronar,
Requer tordos vermelhos que assombiem e cantem
Nos pinheiros sob o sol a baixar;
Requer temporais e tardes ensolaradas dia após dia
E pessoas que a amem na adversidade e na alegria.Requer rostos como flores nas janelas e nas portas,
Requer loucuras, diversão e segredos,
Requer amor em seu cerne e amigos ao portão,
E boas noites de sono quando o dia encerrar seu enredo;
Requer riso e felicidade, requer canções exultantes,
Nas escadas, no corredor, por todos os lados,
Requer namoros, casamentos, funerais e nascimentos,
Requer lágrimas, requer tristezas e enfados,
Contente consigo mesma, mesmo com o tempo a passar,
Oh, são necessárias muitas coisas para uma casa ser um lar!Walter Blythe
Doutor Blythe:
- Curiosamente parecido com o espírito do seu poema "A casa nova", Anne, embora eu não ache que essa tenha sido a intenção dele.
Diana:
- Não, ele estava, na verdade, descrevendo Ingleside. Ele me mostrou nosso poema antes de... partir.
LEMBRANÇAS
Uma janela com vista para o mar
Sob a lua enevoada,
Folhas douradas dos galhos a despencar,
Ou o azul das tardes ensolaradas,
O murmúrio das abelhas em sua dança
Nas conhecidas árvores da vizinhança.Um vento salgado lamuriando no escuro
Do outro lado da enseada,
Em meio ao emaranhado de pinheiros obscuros
E das bétulas brancas desconfiadas
Que no prado distante dormitam,
Onde os silêncios e os sussurros habitam.Um portão pequenino, uma trilha que vagueia
Por entre samambaias, hortelãs e louros,
Os sorrisos mudos das ondas na areia
Sob o crepúsculo de ouro.
O entardecer suave na costa,
Uma voz que não mais dará resposta.Anne Blythe
Doutor Blythe, pensando: "Não há pinheiros por aqui ou em Avonlea, então Anne tirou isso de sua imaginação... E 'abetos' não rimaria muito bem. Mas ela menciona as bétulas em quase todos os poemas que escreve. Não me admira. São árvores lindas. Todos os versos desse poema carregam uma lembrança para mim".
Susan, pensando enquanto seca uma lágrima por trás do bordado: "Ela estava pensando em Walter quando escreveu esse último verso. Não posso deixar que ela me veja chorar. Quanto às abelhas, são criaturas esquisitas. Meu avô vivia de criá-las e nunca foi picado na vida, ao passo que minha avó não podia se aproximar de uma colmeia que acabava picada. Não devo pensar nessas coisas, ou então chorarei como um bebê".
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Os Poemas dos Blythes
PoesiaSob a luz do crepúsculo de Ingleside os Blythes se reúnem para ler e comentar os poemas escritos por Anne e seu filho Walter. Refletindo o significado dos versos, lembram do passado, da evolução de cada membro da família e de como o destino encaminh...