Prólogo: Tragédia adolescente

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           O cheiro de ocre é marcante e se alastra pela campina

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O cheiro de ocre é marcante e se alastra pela campina.

Passo a ponta do dedo indicador sobre a superfície áspera de um corte no meu joelho esquerdo. Não tenho a mínima ideia de como ele veio parar aqui, sequer chega a arder com a fricção, o sangue secou e está se transformando numa casquinha.

É tenebroso como a minha existência engloba certos exageros, qualquer coisa deixa a minha pele vermelha. O corte é bobo, meio superficial, mas ao redor dele está vermelho carmesim, como se eu tivesse tirado o batom dos meus lábios com o polegar e esfregado na minha pele. E eu ainda mexo e remexo na ferida, parece anestesiada, não sinto nada.

Talvez eu devesse puxar, talvez não doa, e talvez torne a sangrar de novo.

Risadas distantes me fazem erguer o queixo e eu vislumbro o horizonte dourado pela luz do sol, acariciando as cúpulas de folhas secas no campo, pouco marrom-alaranjadas, e as águas limpinhas de um lago mais adiante.

Entre duas colinas, Megan segura a Harper pela cintura e a puxa para um mergulho raso na lagoa, e a loirinha que antes se preocupava com o seu vestido amarelo mostarda, já parece não dar a mínima se o tecido está ensopado.

Dylan usa as mãos e os pés para molhar Maya, que se recusa a entrar, mas esta na beirada, perto o suficiente para não levar muito tempo até se fundir a alguma tragédia líquida.

Estou longe o bastante para não correr esse risco, sentada numa toalha quadriculada que forra a grama, debaixo de uma macieira cujo algumas folhas ainda se prendem em seus galhos contorcidos.

O campo fica dentro da propriedade do castelo, então tirando os gansos e o rastro de formigas no tronco velho da árvore, estamos sozinhos.

Recebi picadas nos tornozelos, mas já cansei de coçar, e embora me irrite um pouco, eu mal me movo. Mantenho meus olhos fixos na paisagem a minha frente, sentindo o vento tocar as minhas costas, sacudindo o cabelo.

As gêmeas jogam água para todos os lados e acabam rindo sempre que comentam algo entre elas. De longe, Maya não aparenta ter chorado de soluçar durante dias por causa do incêndio na nossa casa, tampouco que a Megan está ficando mais chapada a cada noite.

Isso deve preocupar a Rosana, ao menos deveria.
Vovó Ophelia tem passado mais tempo conosco; chás da tarde, visitas noturnas, mas nunca sabemos exatamente o que falar. O contexto é tão disforme e opaco que se torna difícil conversar sobre ele.

Quem sabe, por essas razões eu me recuse a me mover agora. Contemplar o cenário outonal e os imbecis brincando com a água do lago não é ruim. Pelo menos estão sorrindo. Nada inventado ou fingido, é tão real, quase tangível.

O fim de tarde está tranquilo. É mais um desses dias atípicos em que eu espero ver o céu chacoalhar com uma trovoada anunciando um temporal, quem sabe um estrondo de alguma explosão distante, que faria os guardas parados a uns dois metros de mim, me varrerem para dentro dos carros, ou para qualquer buraco que me esconda, mantenha segura.

Como Salvar os Perfeitos Desastres - 02Onde histórias criam vida. Descubra agora