Capítulo 10 - Maldita Tequila

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Claro que a prática era bem menos incrível que a teoria. Na teoria, não tinha Murphy. Na prática, sua presença era constante. Na teoria, eu não tinha problemas para me equilibrar nos sapatos pontudos que surrupiei de Lila, mas, na prática, eu mal conseguia dar dois passos sem precisar me escorar nas paredes. Na teoria, minha maquiagem estava digna do tapete vermelho do Grammy. Porém, na prática, meu delineador provavelmente estava desigual. Na teoria, eu entraria na festa e todo mundo me olharia, abismado, como uma comédia romântica. Na prática, o grupo de meninos que saiu pela mesma porta que eu ia entrar, nem sequer a segurou aberta para mim, mesmo com toda minha dificuldade para caminhar. Na teoria, Bruno viria implorar pelo meu perdão, humilhando-se na frente de todos quando eu falasse um sonoro não. Na prática ele não estava, de novo, em lugar nenhum do salão.

Caminhei, ainda assim, com o máximo de dignidade que consegui até uma mesa vazia e me sentei na cadeira, sacudindo meus dedinhos dentro do apertado sapato e suspirando baixinho de alívio. Levantei os olhos para observar o salão novamente. Não é possível, Bruno tinha que estar em algum lugar. Por que mandar todas aquelas mensagens se nem sequer ia se dignar a aparecer?

Para te zoar, Amanda – ouvi minha consciência palpitar. – Sua otária.

Puxei o celular do meu sutiã. Eu não era muito fã de bolsas, então enfiava meus objetos em lugares bastante estranhos. Isso incluía, como vocês já sabem, guardar chaves nos sapatos. E agora celulares no sutiã. Quando a roupa não colaborava muito, eu tinha que improvisar. O que fazia com que, nesse exato momento, minha chave estivesse pendurada na lateral da minha calcinha. Eu sentia o metal gelado contra minha pele, agora que estava sentada.

"Odeio muito, muito mesmo, vocês dois nesse momento".

Digitei os nomes de Igor e Anna Júlia no campo de destinatários e apertei enviar. Só de pensar que eu poderia estar fora daqui com eles dois, já me dava vontade de mandar mais uma mensagem, cheia de palavrões.

Guardei o celular de volta e observei a festa novamente. O salão parecia mais cheio dessa vez do que das outras, o que dificultava em muito que Bruno pudesse me localizar e se arrastar pelo meu perdão. Para dizer a verdade, o salão estava tão cheio que eu não conseguia nem ver Lila ou Gustavo. Não conseguia enxergar nem mesmo Eduardo e era muito difícil que ele passasse desapercebido com a cor daquele cabelo.

Continuei sentada, esperando que algo acontecesse, que alguém aparecesse e, especialmente, que meu pé parasse de latejar. Algum tempo depois, duas coisas aconteceram:

1) Uma dupla de meninas inaugurou o karaokê da noite cantando Meiga e Abusada;

2) Um grupo de meninos passou por mim se cutucando e dizendo "vamos beber porque senão não vou aguentar esse karaokê, não".

Mantive-me inerte por alguns momentos, ponderando minhas opções. As meninas decidiram por mim quando deram um agudo muito mal feito, pior até do que os meus próprios. Pus-me de pé antes que eu pudesse me arrepender e segui os meninos, com uma distância considerável.

Comecei a bater queixo quando saímos para a parte aberta do Acampamento. Era uma noite fria naquele Julho em Teresópolis, como era de se esperar, e meu vestido não cobria muita coisa. Eles começaram a andar na direção da fogueira e eu fiquei para trás porque meus saltos (quer dizer, os de Lila) começaram a afundar na terra. O temor do carrapato me acometeu novamente.

Tive que dar uma volta maior pelo asfaltado para poder caminhar menos tempo na terra. Ainda que tenha me perdido do grupo de meninos, achei o revendedor de bebidas sentado em um dos troncos ao redor da fogueira. Como diziam as fofocas, ele usava uma máscara ninja e carregava um grande isopor. O grupo de meninos que eu segui estava terminando seus pedidos, então eu aguardei atrás deles, esperando minha vez.

Acampamento de Inverno para Músicos (nem tão) TalentososOnde histórias criam vida. Descubra agora