Capítulo 12 - Já não consigo não pensar

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Se arrependimento matasse eu estaria morta no momento em que pisei na sala de canto. Sabe quando você entra em um lugar e sabe que está todo mundo falando de você? Não? Eu explico: todo mundo está conversando mas, quando você entra, todos se silenciam, olham na sua direção e depois voltam a conversar, só que aos sussurros.

Maravilha! Apressei-me para sentar onde Ana Júlia me apontava, em certo frenesi. Eu mal tinha terminado de sentar e ela já tinha se debruçado na minha mesa, aparentemente ávida por informações. Porém, foi Igor, sentado na sua frente, que perguntou:

― É verdade que vice entrou em coma alcóolico nesse final de semana?

Não consegui responder porque Ana Júlia me interrompeu, levantando a mão para silenciar Igor e dizendo:

― Isso não importa! É verdade que você ficou com o Eduardo?

Como se tivesse ouvido seu nome, ele abre a porta e entra na sala. O fenômeno acontece novamente: conversa > silêncio sepulcral > cochichos. Se eu já estava incomodada antes, quando nossos olhares se cruzam, eu só desejo estar morta. Na minha cabeça, a voz do chuveiro canta Eu quis dizer, você não quis escutar...

Voltei a encarar meus amigos e até comecei a ensaiar uma justificativa sobre meu fim de semana. Mentira. Na verdade, comecei a xingá-los por terem me abandonado aqui enquanto estavam se divertindo do lado de fora. Eu deveria ter suspeitado que tinha alguma coisa errada pela síncope que Ana Júlia parecia estar tendo, mas eu só percebi a situação quando era tarde demais. Ou seja, quando ouvi sua voz atrás de mim.

― Amanda, sobre sábado...

Levantei-me em desespero. Não, não, não Eduardo. A voz do banheiro ainda cantava na minha cabeça. A voz dele cantava na minha cabeça. Eu não podia ouvir o fora ao vivo. Não podia imaginar a boca do Eduardo, recém descoberta como altamente beijável, dizendo que eu era um erro.

― Não – interrompi, ligeiramente ciente que o silêncio tinha voltado ao recinto. – Não precisamos falar sobre isso, Eduardo. Estávamos bêbados.

― Eu não – ele respondeu, baixando os olhos.

― Como assim? Claro que estava – dei uma risadinha esdrúxula, sem saber o que fazer.

― Não estava. Eu não bebo, Amanda.

Encarei-o, perdida na maneira como ele pronunciou meu nome. Sempre foi assim? Por que eu demorei tanto para descobrir? Por que eu só descobri quando ele não quer mais ouvir, nem escutar?

― Bem, eu estava – respondi, sem entender nada.

Como assim ele não bebia? Gustavo tinha dito naquele dia do Sandy e Junior que ele só tinha se comportado daquela maneira por estar bêbado! Como assim aquela dança infernal foi feita em total estado de sobriedade? Para cima de mim? Existia alguma possibilidade remota de Eduardo estar interessado em mim desde aquela época? Também pudera ele não querer dizer, nem acreditar, se isso for verdade. Mas não podia ser verdade. Isso não fazia sentido nenhum. Ele mal falava comigo, como podia gostar de mim?

― Não estava não – ele respondeu, olhando diretamente para mim. – Ter bebido e estar bêbada são conceitos diferentes.

― Eu desmaiei, Eduardo – comentei.

― Não foi por causa do álcool.

― Como assim não foi por causa do álco...

― Amanda e Eduardo! – a voz do professor Maurício interrompeu nossa discussão, justamente nesse ponto crucial. – Que tal transformarmos essa conversa em música? Num belo duelo? Os dois, cantoria inaugural, agora!

Acampamento de Inverno para Músicos (nem tão) TalentososOnde histórias criam vida. Descubra agora