Capítulo 02 - Escolhas Ruins

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Na manhã de segunda-feira, Lila começou a pular na minha cama.

―  Anda Manda, acorda!!! Nós temos que descer para fazer nossa inscrição nas aulas. Se acabarem as vagas para aula de piano eu vou ficar irritadíssima.

Abri metade de um olho para encará-la, que entendeu isso como um convite e começou a me chacoalhar. Resolvi abrir logo os dois olhos e me sentar, antes que ela fizesse meu cérebro sair pelo nariz. Vesti um short e uma camiseta com rapidez, sem ouvir nada do que Lila continuava falando. E sim, ela continuava falando. O murmurinho de sua voz fazia minha cabeça doer, mas eu não conseguia captar absolutamente nada do que ela dizia. Nós duas saímos do quarto, com ela ainda matracando, nos enfiamos no elevador e chegamos no lobby.

Havia uma fila surreal dando voltas e mais voltas e Lila parou no fim dela, parecendo inquieta. Eu sentia como se estivesse prestes a dormir em pé a qualquer momento, mas o murmurinho das pessoas na fila aguçou meu ouvido e eu consegui ouvir quando Lila disse:

― Cara, como você não está congelando com essa roupa?

Sabe quando você recebe um choque de realidade? Estava tudo indo muito bem, eu não estava com o menor frio, até o momento que sou avisada do frio que está fazendo. Sou como um daqueles personagens de desenho animado que não percebe que o chão acabou e continua andando, mas quando vê que está andando no ar, despenca em queda livre.

 No momento que Lila termina sua frase, já estou despencando em queda livre. No caso, congelando em pé na fila pra inscrição.

― Como assim você me deixou sair do quarto com essa roupa? – disse, entre dentes, apertando-os para não bater queixo.

― Eu tentei te avisar – ela se defendeu, levantando as mãos na altura dos ombros. ― Você não me ouviu lá no quarto.

― Óbvio que eu não te ouvi lá no quarto, eu estava praticamente dormindo! Que horas são, afinal?

― São sete e dezoito – foi o menino da noite anterior, aquele que ficou amigo de Lila, que respondeu. – Oi, Lila. Você se importa se cortarmos aqui? A fila já está muito grande.

Virei-me para trás, a fim de verificar a informação e de fato era verdade: não conseguia mais ver o final da fila, que já tinha virado novamente e fazia o caracol mais estranho e desorganizado que eu já tinha visto.

― Claro Gustavo, sem problemas – minha amiga respondeu, abrindo um sorriso.

Ainda que Gustavo tenha feito a pergunta no plural, só me dou conta de que ele está falando de Eduardo quando Gustavo acena e ele aparece, com cara de poucos amigos.

Não que ele tenha esboçado qualquer tipo de simpatia desde o momento que o conheci, mas de manhã ele parecia ainda pior do que de noite.

― Bom dia, Amanda – Gustavo sorri na minha direção e eu me forço a sorrir de volta.

Eduardo não cumprimenta nem a mim, nem a Lila, mas reparo o longo e comprido olhar que ele dirige as minhas pernas. Tenho vontade de repreendê-lo, mas não consigo abrir a boca sem começar a bater queixo e isso seria humilhante demais.

Gustavo e Lila voltaram a conversar da maneira que fizeram na noite anterior: como se fossem amigos de longa data. Eduardo se virou para frente, seguindo a fila, e continuou sem me dirigir uma palavra ou um mísero olhar – nem mesmo para minhas pernas.

Tentei me concentrar no folheto com as aulas, buscando decidir qual seria a segunda aula que eu faria, fora flauta. Porém, a cada passo que eu andava, parecia que o frio aumentava. Percebi, então, que o guichê para onde andávamos era o mesmo da noite anterior e, logo, era ao lado das portas da casa, que estavam abertas.

Acampamento de Inverno para Músicos (nem tão) TalentososOnde histórias criam vida. Descubra agora