Capítulo 17 - Entre quatro lonas

62.3K 7.8K 1.7K
                                    

Nós dois ficamos nos olhando, em silêncio, sem saber muito bem como agir. Os pingos caíam do seu cabelo, escorriam pelo seu rosto e iam para o chão. Eu lutei contra vontade de esticar a mão para seu rosto e interceptá-los. A situação piorava pois, por não caber em pé na barraca, ele tinha que abaixar a cabeça, o que só incentivava os pingos.

― Tem uma toalha ali, em alguma daquelas mochilas – Eduardo apontou para um canto do quarto.

― Ah! – exclamei, saindo do transe. – Tudo bem, vou pegar.

Andei até as mochilas indicadas e achei a toalha sem muita dificuldade. Ela estava logo abaixo de algumas camisas dele ou de Gustavo. Enquanto entregava-a para Eduardo, me ocorreu que eu não tinha nada naquela barraca.

Tudo que eu tinha separado com muito cuidado estava na minha barraca, com Lila e, portanto, inacessível. E não só por causa da tempestade. Minhas roupas, meu travesseiro, cobertor, escova de cabelo, escova e pasta de dente...

Eu entraria em pânico se conseguisse dedicar tempo suficiente do meu pensamento para essa falta de utilidades pessoais na barraca. Porém, era muito difícil pensar em algo que não fosse Eduardo secando o resto e os cabelos logo ali, na minha frente. Ele estava fazendo o melhor que podia, mas era realmente uma grande tempestade e ele ainda estava muito molhado. Tenho certeza que nós dois pensamos a mesma coisa ao mesmo tempo porque, mesmo com a falta de luz da barraca, pude ver como ele ficou corado.

― Acho que você precisa tirar a roupa – eu verbalizei, sabendo que ele nunca falaria. – Digo, trocá-la. Para se secar melhor. E evitar pneumonia.

― Acho que sim – concordou, numa voz que quase não saiu.

― Eu vou ficar de costas ali – apontei para o outro lado da barraca, oposto ao das mochilas.

Ele assentiu, sem dizer nada, caminhando na direção das mochilas. Eu fui para o outro lado, forçando-me a fechar os olhos, porque a tentação de espiar era muito grande.

Aquela barraca era pequena demais. Era impossível manter a sanidade encolhida naquele canto sabendo o que estava acontecendo logo atrás de mim. E eu podia ouvir. O barulho do zíper da mochila, ele vasculhando o conteúdo. O barulho da camisa molhada caindo no chão de pedra abaixo de nós e o barulho do zíper da calça dele. Quanto tempo aquilo ia demorar? Eu estava prestes a bater com minha cabeça contra a lona da barraca.

― Pode virar, Amanda – ele chamou, finalmente.

Virei no momento que ele já estava terminando de sentar no colchão, ainda pingando um pouco. Fui até a toalha, jogada sobre as mochilas, peguei-a e me sentei na frente dele.

Eduardo me olhava inquisitivamente, querendo entender o que eu estava fazendo. Dobrei a toalha em quatro e me inclinei na sua direção. Passei a toalha pelo seu cabelo e depois por seu rosto, caçando todos os pingos rebeldes. Eduardo facilitou meu trabalho, inclinando a cabeça para que a toalha passasse mais facilmente por seu pescoço e pelas laterais de seu rosto. Facilitou meu trabalho, mas destruiu meu juízo. A cada movimento que ele fazia, diversas sensações me acometiam. Um início de sua barba espetava meus dedos, nossos olhares se prendiam e nossos rostos se aproximavam, sem que premeditássemos.

Eu provavelmente estava a ponto de beijá-lo, quando ele disse:

― Estou seco?

A impressão que eu tive foi que aquela frase ressoou por toda barraca, passando por cima, inclusive, do som da tempestade. Larguei a toalha, afastando-me um pouco, buscando voltar ao meu estado normal, sem deixá-lo saber o quão perto eu estava de agarrá-lo.

Exceto que eu achava que ele já sabia.

Ele tinha um daqueles sorrisos atravessados e isto me fazia pensar que ele sabia. E, se ele sabia, eu estava profundamente chateada por ter me cortado dessa maneira.

Acampamento de Inverno para Músicos (nem tão) TalentososOnde histórias criam vida. Descubra agora