Chegando no quarto, está bem silencioso, abrindo a porta vi uma cena que se repetiu algumas vezes ao longo do ano. Ela estava em pé afastada da cama, o corpo de Will estava flutuando pela área, linhas bem fininhas com uma cor branca e dourada perolada envolviam o corpo e ela. Seus braços se mexiam fazendo pequenos círculos no ar, as linhas a acompanhavam, dançando em volta dela, quando se chocavam com o corpo de Will elas eram absorvidas por ele, ficando um leve odor doce no ar. As linhas de Marrath. Fui chegando mais perto dos dois, ela parecia tão concentrada na tarefa, que levou um leve susto quando me notou.
- Você voltou. - ela olha para mim, e começa a procurar as bolsas de sangue. - Você trouxe o que eu pedi?
- Sim. - mostro o carrinho.
- Foi o Manuel que preparou, certo. - ela pergunta desviando das linhas e indo em direção ao carrinho.
- Sim, sim. - então pergunto. - Se eu tivesse-as preparado? Qual seria a diferença?- meio desconfiado com a indagação dela.
Ela levanta a cabeça ficando ereta ainda mexendo nas bolsas.
- Diferença? - ela pergunta tirando o olhar das bolsas de sangue rapidamente, com uma carinha de desentendida.
- Sim, "diferença".
- Nenhuma.- e sorri
Ela anda até perto de mim com uma das bolsas e cateter, o perfume era fresco ao mesmo tempo caloroso, aconchegante.
- Obrigada, por trazer - diz simples e sorrindo - Pode ir agora.
Ela passa por mim, dou um breve sorrisinho de volta, ela me faz ... não ser eu... ou um eu que a muito não via. Vou andando até a poltrona perto da janela, para me sentar e acabo me esbarrando em uma das linhas, ela vai ficando com seu brilho mais fraco até que se esvai pelo chão.
Ela me olha por cima dos óculos e suas narinas dilatam
- Olha ai, porque eu não gosto de ninguém onde eu trabalho.
- A casa é minha, eu fico onde eu quiser. - digo colocando as mãos nos bolsos, e vou em direção a poltrona.
- Tudo bem, - diz ela voltando ao trabalho - jardim de infância - escuto sussurrar.
- Como é ?
- "Como é" o que ? - Ela volta a fazer a cara de desentendida, ela me irrita demais, dou um sorriso forçado.
- O que você sussurrou ai?
- Hah. Agora ? - pergunta.
- Sim agora.
- Disse que alguém tem que limpar a lambança. - fala apontando para o colchão e chão manchados de vermelho.
Dou um suspiro, e sorrio ao mesmo tempo. Porque eu quase me esqueci dessa parte, mas o pior foi que ela conseguiu se livrar. De novo. Era incrível como ela saia dessas situações, tudo bem que na maioria das vezes ela que se colocava... então.
Outro som abafado de socos veio da sala. Verona olha para a porta fechada, e colocando o cateter no braço de Will pergunta:
- Vou ter que cuidar de mais alguém hoje?
- Só se você quiser cuidar do Sebastian. E eu acho que você não vai.
- Aí que você se engana, eu não tenho muita escolha. O cara pode ser um imbecil, canalha, salafrário e etc., mas não vou deixar de atendê-lo por isso. - ela dá um suspiro - Não poderia, sabe.
- O que?, "código de honra", ou coisa assim?
- Sim. "Coisa assim'' .- ela volta a mover as linhas....
"Por que ele veio pra cá? Justo hoje."
O garoto estava todo quebrado, rachaduras horríveis nas costelas, coágulos se formando, músculos rompidos. Não sei como ele ainda estava vivo quando eu cheguei. Quando todos saíram, o analisei mais de perto, suas feridas não eram nada superficiais, e foram tratadas com grande desleixo.
Mas ele era um garoto jovem, e aparentemente muito saudável, e de grande importância para ele estar aqui.
- O que esse garoto e seu?
- Investimento.
- Credo. - falo, ele dá de ombros e vira o rosto para a janela olhando a paisagem.
Não estou acostumada com ele nas salas onde trabalho. Ele sempre fica mais afastado. Na maioria das vezes Leith resolve comigo. Mas hoje não, ele estava aqui, e isso estava me deixando nervosa. Ele tem uma presença muito forte, e tira minha atenção facilmente. Não estou falando de beleza ou coisa parecida. E que ele realmente chama minha atenção quase como um ímã, a voz dele é calma, segura, firme ao mesmo tempo e terna, calorosa, como um príncipe conversando com seus súditos. Já me peguei algumas vezes procurando por ele nos lugares, apenas para vê-lo, e como uma nostalgia, não sei explicar. E isso me preocupa muito, pra ser exata, ele me tirava a atenção do que era importante.
Ele olhava para a janela de maneira clara, mas de vez em quando eu sentia seus olhos em mim. Me vigiando, cada movimento que eu fazia.
Quando eu senti ele desviando o olhar levantei o meu bem pouco. Ele estava esfregando a testa e a têmpora ao mesmo tempo.
- Dor de cabeça? - pergunto
- Não é da sua conta. - ele respondeu ríspido. Ainda de olhos fechados.
- É sim, me preocupo com você. - opa!!
Ele levanta um pouco a cabeça e abre os olhos. Eles queimaram um pouco, por um mísero momento, eu vi. Bom ... eu acho que vi, então me toco no que disse, me preocupo com você . "Acho que me empecei errado."
- Você é meu banco. Tenho que cuidar das minhas finanças. - acho que consegui sair bem dessa.
- Claro. -Ele dá um sorrisinho, e volta a atenção para o jardim.
Uma das minhas linhas cai no chão, e a outra em seguida. Então ele pergunta.
- O que houve? Eu não encostei em nada. - diz erguendo as mãos.
- Sabe por que é difícil mexer com linhas de Marrth ?
- Não. - responde com sinceridade.
- Por que elas são "temperamentais". - pela sua expressão ele não entende muito -Significa que se algo as incomoda, elas não vão funcionar direito nem com a melhor técnica do mundo.
- Entendo - ele abaixa a cabeça - Você tem a melhor técnica ? - pergunta em seguida
- Não, eu não tenho a melhor técnica, sou boa, muito boa, mas não excelente.
- Você diz que é a melhor, e agora fala que não tem a melhor técnica? Não entendo.
- Sou a melhor DAQUI.
- Eu pago por excelência.
- HA. Coitado, se quisesses mesmo, importava um médico da Suíça.
- Olha ... Você me deu uma ideia. - ele abre um sorriso largo. Que cara de pau.
- Você tá brincando né? - pergunto meio afobada. Outra linha cai aos meus pés
- Não sei, - falou se encostando novamente na poltrona - talvez sim, talvez não.
"Droga."
Outras linhas começaram a cair, uma, duas, três... elas estavam caindo sem parar, ia ficar complicado cuidar do garoto sem elas. Parte do processo são elas sem si. Ninguém sabe direito como são feitas. Só sabemos que a uns sete anos, elas começaram a aparecer em sites obscuros na web, como uma forma rápida de curar alguém de ferimentos. E logo médicos de clínicas e hospitais particulares começaram a comprá-las e a usá-las em pacientes.
No começo o governo não gostou nada dessa historia, "usar um produto que não se sabe a procedência em pacientes com feridas fatais", parece até brincadeira, eles começaram a fazer testes nelas, para ver se tinham algumas contraindicações, se "viciavam", ou se causavam efeitos colaterais. Dois anos após o inícios dos testes, as linhas de Marrath tinham sido aprovadas pelos órgão de saúde.
O maior problema era controlá-las, parecia que elas tinham vida própria, se elas não gostarem de você, você ia ter que lutar muito para elas funcionarem pois sua utilidade ia se esvaindo muito rápido, ou até mesmo se tivesse alguém que as perturbasse de algum jeito, incomodando ou as deixando nervosas, mas se elas gostarem da pessoa, elas iam durar meses até anos, exemplo : as minhas, estou com elas a uns dois anos e poucos meses.
Deixando ... nervosas? A única diferença é Sage na sala.
"Isso é por causa DELE?"
"SIM" - umas vozinhas suaves soaram em mim.
Outras duas caíram, eu estava apenas com seis linhas agora.
- Por que elas continuam caindo?
- Por sua causa. Você as incomoda.- digo ainda sem acreditar muito naquilo.
- Por que eu? - ele pergunta se fazendo de coitado
- Você está deixando-as incomodadas.
- Novamente, por que ?
"Lindo demais "- as vozinhas respondem.
"O que?Não." "QUAL É, COMPORTEM SE."
Meu rosto começa a esquentar. Ele olha pra mim estreitando os olhos, pelo menos não sou só eu, uma coisa é você ter um crush em alguém, outra é você ter pessoas ou coisas que te lembrem desse crush. - no meu caso, minhas linhas - Eu olho para ele novamente, os olhos verdes escuros fixos em mim, esperando uma resposta, a pele morena, linda. Droga, por que elas tinham que lembrar o quanto ele era bonito.
- O que? Elas falam com você ?
- Não com frequência.
Não era comum em todos os médicos, mas as vezes, as linhas conversar entre si, e quando a relação entre linhas e o médico é forte, o médico acaba ouvindo, como passa dos anos que eu ia usando, ouvia pequenos chiados, mas depois conversas lá longe, e no último ano elas tem me respondido e eu a elas. Mas nunca, NUNCA, elas tinham falado algo sobre Sage.
"É por que nós nunca tínhamos visto ele de perto"
"Sim, sim, ele sempre ficava longe"
"Mas hoje ele VEIO , HAAAA. "
"Ele é tão lindo"
"Meu deus, minhas linhas eram fãs dele. P*t@ que p@riu."
A voz de Sage me trouxe de volta.
- Elas disseram o porquê de eu as deixar nervosas.- ele me indaga.
- Sim. - digo
- Então ... - ele QUER mesmo uma resposta ?- Se eu souber um motivo posso dar um jeito, - ele apoia os cotovelos nos joelhos com as mãos cruzadas. Outra linha se vai, agora eu escuto um ... "HAAHHH" vindo dela.
Nós nunca tínhamos conversado mais de dois minutos, e era tipo, "faça isso", "faça aquilo", "resolva isso e aquilo, conserte o cara". É justo a nossa conversa mais longa acaba eu tendo que dizer que minhas linhas são gamadas nele.
- Você não vai querer saber. - repondo
- Você só pode curar meu amigo com a ajuda delas, certo?
- Sim - suspiro, frustrada " humm amigo"
- Então se resolver, terminará mais rápido,certo. - Ele está se divertindo. O cretino está se divertindo às minhas custas.
Meu rosto volta a ficar vermelho.
- Ok, - onde eu me enterro senhor? - Você não as incomoda...
- Então por...
- Deixa eu terminar.
Ele se cala e mostra as palmas das mãos.
- Você as deixam nervosas e histéricas.
- Ainda não entendo. - ele entende, ele deu um sorrisinho de lado. - Você poderia explicar melhor? - ele fala voltando a se apoiar na poltrona.
Ele realmente estava gostando disso, se divertindo com isso. Droga, como eu saio dessa. Não de outra maneira, eu acho.
- Elas te acham muito bonito - pronto, o sorriso de vitória aparece.
- Sou definitivamente um belo espécime, elas deviam ficar agraciadas comigo aqui. - um sorriso com covinhas se abre. Nunca tinha visto um assim. Não era falso, era realmente ele.
- Sim, vossa alteza - digo exagerada - elas ficam, acredite. - o sorriso ficou mais iluminado. - Mas a questão é que elas não estão sendo proveitosas com você aqui.
Ele baixou a vista para o jardim, seus olhos se juntam um pouco e ele levanta.
- Termine seu trabalho. - Ele passa por mim abrindo a porta. - e espero que ele fique EXCELENTE. - ele dá um sorrisinho sem vergonha e sai.
Reviro os olhos porque sei que ele ainda consegue ver. Ele sai fechando a porta e me deixa com o garoto em seu estado um pouco melhor e minhas linhas de companhia.
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Lost Between Lives
FantasiPor quase um ano Verona Recci tem trabalhado o dobro do que consegue. A melhor medica a domicílio que Verilian Hall tem, vem cuidando de dois lados inimigos do que seria uma guerra civil por território entre os Ruby Tears e o Departamento. Os dois...