- Nada. - digo fechando o meu terceiro livro.
Charles estava com seu segundo no colo, ele continuava sentado em cima do baú folheando o livro.
- Calma, talvez não tenham olhado seus livros direito.
- Charles, não tem nada nesses livros que representem qualquer coisa para mim.
Ele passa mais um pouco olhando os livros, e continua a folhear o seu.
Eu fecho os olhos um pouco, minha cabeça começou a melhorar um pouco depois de tudo, eu estava cansada e dolorida, o lugar era úmido e estava cheirando a incenso, lá não era nada grandioso mas era bonito, haviam feito as estalagmites esculpidas de decoração pelos arredores, o teto não era mais alto que eu, tudo isso poderia deixá-lo claustrofóbico e sujo, mas eu gostava, era quente bom de sentar e pensar em algo difícil ou que esteja incomodando ou simplesmente não pensar em nada.
Tinha esticado minhas pernas ainda de olhos fechados, quando sinto o terceiro livro de Charles passar por cima de mim, fiquei ali sentada recostada no baú por algum tempo pois eu senti meu celular vibrar e quando o segurei vi meu alarme de cinco da tarde estava tocando, estava ali a umas três horas vendo pagina por pagina dos livros.
Me levanto para ir embora, bato na minha calça para tirar a poeira terra, quando me viro para falar com Charles ele fala antes de mim:- Se eu fosse você não iria agora. - ele diz para mim
- Por que? Achou algo que nos interesse?
Ele maneira a cabeça e devolve:
- Mais ou menos, eu achei um padrão. Será que serve?
Não, não servia mas eu não ia ser grossa com o garoto.
- Não sei Charles. -digo desanimada.
- Pode ser algo. Mas se não quiser, tudo bem. - ele diz fechando o livro.
Dou um suspiro pesado e me sento novamente.
Ele se anima e começa a organizar os livros no chão deixando os seis livros em duas colunas de dois, então começa:
Eu não tinha entendido no começo o porquê de cada livro ser tão diferente um do outro. Mas eu fiquei olhando umas páginas do seu e eu vi umas coisas.
Ele abre os livros em textos, alguns falavam de mágica ocultas, outros de plantas, outros eram sobre poções curativas, como purificar ou fazer um local vedado, modelos de armas com cristais, coisas bem malucas.
- Olha as letras...
Me aproximei dos livros ainda sem muita atenção, todos eles eram um emaranhado de palavras antigas e desenhos tortos, apenas dois eram mais entendível para mim, dois tinham letras estranhas e os outros dois eram uma bagunça completa.
Dois... par.. par de dois.
Claro.
Não faziam sentido antes pois cada um pegou um livro de um dono diferente, cheguei mais perto dos livros e reparei que todos tratavam de coisa diferentes mas que se completavam, eram como grandes enciclopédias manuais.
Charles desceu no baú e se ajoelhou do meu lado:
- Viu só. São diferentes com datas de iniciação e término diferentes.
- As datas estão no início dos livros?
- Sim... bem alguns têm outros não. Mas eu acho que os que estão sem data porque estão incompletos.
- Faltam livros dessas datas então. - digo puxando um deles para mim.
Peguei um dos primeiros que eu havia visto, eram formas de rituais, onde se encontrava cristais, como se fazia extração de glândulas de uma forma bem arcaica, explicações de cirurgias, passagens de espíritos, e outras maluquices bizarras.
Virei o livro que estava no meu colo e abri-o na primeira página, nele havia uma inscrição dizendo: "Um novo dia brilhante virá" logo abaixo as iniciais de C.M. em letras cursivas antigas e uma data 11 de Aprilis de 36.- Aprillis? Acho que a pessoa escreveu errado. Não? - pergunta Charles.
- Não, era assim que se escrevia no calendário de Numa Pompílio ele foi estudioso e segundo rei de Roma após Rômulo.
- O homem criado pela mãe loba?
- Esse mesmo. - digo agora olhando atentamente para a data.
11- Aprilis- 36
"36...36... Aprillis... Numa... Roma? "
Aí. Meu. Deus
- Charles, isso não pode ser real.
- O que? - ele olha sem entender
- ISSO - digo apontando para o livro. - Você não entende? Não vê?
Ele balança a cabeça negando. Claro que ele não entenderia, ele só tinha dez anos quando morreu, não teria estudado civilizações no colégio.
- Charles, Roma foi criada em 753 a.c. O calendário que temos hoje só foi criado depois de 45 a.c. já que foi posto que os anos decresceram até o ano 1d.c., até aí ok? - ele balança afirmativo - esse livro é de 36 no mês Aprillis ou seja 36 a.c. você entende o que isso significa?
- Que é um livro velho. - ele diz simples
- Que ele é mais velho do que eu estava procurando. Isso é uma relíquia Charles.
Estou estaiada com isso, podia ser um dos livros mais velhos do mundo e estava ali na cripta da minha família. Meu coração começou a martelar de ansiedade, aquilo era incrível mente animador, um livro datado de antes da era comum. " o que diabos isso tava fazendo ali dentro"
- Essa velharia é tão importante assim?
- SIM.
- Por que?
- Por que pode ter respostas sobre as civilizações antigas, sobre cultura, língua - olho para ele e ele está com a cabeça meio de lado e as sobrancelhas juntas, me olhava com uma cara estranha vendo-o assim concluo que estou parecendo uma maluca.
- Estou divagando nas ideias?
- Esta é louca, isso sim. - ele diz, começou a passar as páginas do livro dizendo - Isso. Não. Faz. Sentido. Você percebe isso né?
- Mas...
- Verona. - ele alerta.
Ele tinha razão, nada daquele livro fazia muito sentido, nada dele mostrava uma cultura diferente ou as cidades, era uma mistura de esoterismo com abracadabra que não tinha pé nem cabeça. Mas eu não ia desistir facilmente, tinha me livrado da sensação de desconforto, da dor de cabeça e da fadiga no meu corpo, estava finalmente animada com algo, o que a dias não acontecia, não podia deixar essa animação passar novamente.
- Mas você disse que tinha achado algo. - Foi minha vez de fazer beicinho.
- Sim ... vamos voltar à terra.
- Tá
Ele pegou outro livro com o mesmo formato de escrita e trouxe para perto.
- Você fez logo esse estardalhaço por um ... mas o outro não está muito longe.
- SÉRIO, CADÊ, meda, meda - digo pegando o livro das mãos dele.
- Para uma médica sentada, você está parecendo uma criança mimada.
- Olha baixinho, você me respeite que eu sou mais velha.
- Tecnicamente eu sou mais velho por ter morrido primeiro.
Olho para ele irritada
- Se eu pudesse fazer cócegas em você, você estaria no chão e implorando para eu parar.
Ele ri, uma risada gostosa de criança, ele devia ser um garoto muito alegre quando era vivo.
As letras eram agora mais parecidas com nosso idioma habitual, as elas eram meio trêmulas, mas ainda legíveis. Tinha uma nova data de começo - 1115 - era o livro que chegava mais perto da data do meu sonho,ele pertencia a mesma pessoa C.M.. seja lá quem for, gostava bastante de estudar. Mas não podia ser a mesma pessoa, já que se a antiga data era 36 e essa é 1.115 a pessoa teria no mínimo 1.079 ANOS, aquilo não podia estar certo. O que fazia as ideias de Charles serem mais concretas ainda. Fui folheando o segundo livro, vendo as novas e mais malucas anotações, sobre guerras, feitiços de sangue, lições sobre como fazer veneno, e mais coisas do tipo. Mais para o fim do livro vejo que começam a ter parágrafos grandes, como se fossem narrações, algumas páginas eu não fazia ideia do que estava escrito pela grafia ser estranha, outras estavam incompletas, mas havia parágrafos que davam para entender.
- Você pode ler para mim? - Charles pergunta. - Minha palavra e ruim. - ele diz um pouco envergonhado.
- Sua leitura... - digo - Claro que eu leio para você querido.
Tentei achar um parágrafo mais completo, mas quase todos tinham manchas ou buracos de traça. Mas felizmente eu achei alguns em bom estado.
- "Estou ficando cansada, porém minha carne se recusa a apodrecer, já faz alguns anos que eu noto minha aparência igual, mesmo andar, mesmo sorrir, mesmo bater do coração. Seria uma maldição? A terra estaria me punindo por algo? Eu não compreendo."
Viu só, sem sentido nenhum. - diz Charles - Mas continua. Por favor. - ele pede gentilmente.
Sinto uma angústia crescendo dentro de mim é uma pequena pontada bem no meio do peito, ela não parecia uma pessoa ruim mas parecia sofrer.
Continuei em uma página mais borrada:
- "Ela é pequena, uma flor que foi impedida de desabrochar. Não tem ideia do que vai passar ... - a linha acabava, e continua após um trechos borrados - ela evolui rápido, mas é muito acomodada, se não houver pressão ela não vai chegar no seu máximo." - mas uma parte cortada e retorna - "eu a pressionei... e os resultados me deixaram espantada, ela pode ser grande se quiser, mas precisa da motivação certa e terá que se controlar ou o fim ... será devastador."
- Parece que ela fala de um bomba não é? - Charles diz - Verona? - Ouço ele me chamar.
Ele me toca com suas mãozinhas enevoadas e frias.
- Verona você está bem? - ele pergunta - Está pálida.
Não, eu não estava bem. A angústia cresceu a cada palavra dita, minha cabeça parecia que ia explodir novamente a pressão no meu peito estava me fazendo parar de respirar. Soltei o livro no meu colo, ele era pesado e seu cheiro de mofo estava me fazendo mal.
Quem escreveu aquilo era uma pessoa preocupada, algo podia dar errado facilmente, uma pessoa que estava com medo de algo grande.
- Verona? Quer que eu chame o coveiro? Ele pode te tirar daqui. - diz Charles
- Não, não precisa chamar ninguém charles. Acho que minha pressão caiu por conta que eu não comi nada agora a tarde. E o cheiro do livro não está me fazendo muito bem.
- Hah... - ele sussurra. - tem certeza?
- Sim, só preciso de uns minutinhos.
- Ok
Levanto a vista para o teto deitando a cabeça no baú. O teto do lugar era cinza rocha, frio, havia manchas de infiltração por conta das chuvas, ele não era tão alto mas sentada ali ele parecia distante, como minha mente. Fecho os olhos com força para recuperar a visão e levanto minha cabeça novamente. Ele está me olhando preocupado, então eu digo:
- Você quer terminar isso? Assim eu te deixo em paz, que tal?
- Se você quiser... por mim tudo bem.
Então eu continuo no último parágrafo.
- "Ela finalmente desabrochou, por completo. Mas ela não tem nada além da existência pois não tem um propósito. Na vida precisamos de um propósito, por menor que seja. E gentileza, pois ela é a base de todos os sentimentos bons, ela nos traz alegria e leva alegria, ela nos traz tranquilidade, e no fim ela é a ponte para o amor."
Meu coração se acalmou um pouco, estava menos suada, acho que mais corada, pois Charles estava melhor em feições.
- Bonito o que ela escreveu né ? - ele comenta - queria escrever assim - ele diz triste - mas toda vez que pego em uma caneta ela cai. - Ele abaixa a cabeça olhando para os escritos.
- Tenho certeza que você seria um bom escritor.
- Obrigada, mas acho que meus pais queriam que eu fosse médico como você - ele sorri - ou adgogado, sei lá.
- Advogado bem.
- Isso, advogado. - ele confirma.
Minha cabeça continuava meio tonta, mas estava melhor. O que ela Doce era verdade , na vida precisamos de um propósito, o meu era ajudar quem precisasse, mas - tenho que admitir - não estava completamente feliz com ele - não nesse momento - eu continuei a olhar o livro, suas últimas folhas eram mais limpas, como se tivessem sido inseridas após um tempo, as letras começaram a mudar também como se intercalam de pessoas, isso seguia por duas páginas apenas até as últimas cinco que eram com uma caligrafia diferente a C.M. do início.Essas letras são diferentes, vi elas em um dos outros livros. - digo
Essa é a segunda parte que eu te falei.
Ele pega os outros livros, na primeira página agora havia as iniciais V.C. De 1126, já na era comum, era um pouco diferente dos primeiros, haviam mais coisas sobre plantas, remédios, estudos sobre o corpo e como a mente funcionava expelindo a aura de diversas maneiras. Como o comportamento da mente afetava o funcionamento do organismo, os desenhos eram muito corretos e bem feitos, provavelmente seria um bom curandeiro ou um alquimista pois além disso havia instruções de como invocar portais ou criaturas para o nosso plano, mostrava também meios de comunicação a distâncias grandes com magia.
Engraçado pensar que um livro desse seria motivo de chacota a uns cem anos atrás- ou até duzentos anos atrás- pois naquela época não se ouvia falar de maneira alguma em magia e criaturas mágicas, e hoje nós temos telepatias no governo, espectros soltos, medusas desfilando nas grandes passarelas, vampiros nos hospitais, e os mais diversos seres à solta pelo mundo, fazendo todos os tipos de trabalho.
- Esse livro deve ser bem interessante para você, não? - Charles fala
- Sim, tem coisas bem legais, mas tem muita coisa que foi mudada com as novas descobertas acadêmicas com o passar dos anos.
- Às vezes não entendo nada que você diz?
Sorrio para sua sinceridade.
- Só significa que está ultrapassado.
Ele balança a cabeça afirmativo. O livro que seguro é um pouco mais fino que os outros, as letras são mais limpas e claras, uma letra definitivamente feminina, caprichada, mas com erros, como se tivesse aprendido a escrever mais tardiamente. As donas não eram parentes provavelmente, já que as iniciais dos sobrenomes eram diferentes, mas pareciam se conhecer bem. No final daquele livro também começava a ter narrações, eram parágrafos que guardavam memórias.
- Lê de novo?
Estava cansada, já eram quase seis e meia, mas a curiosidade estava falando mais alto que o cansaço e a dor.
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Lost Between Lives
FantasyPor quase um ano Verona Recci tem trabalhado o dobro do que consegue. A melhor medica a domicílio que Verilian Hall tem, vem cuidando de dois lados inimigos do que seria uma guerra civil por território entre os Ruby Tears e o Departamento. Os dois...