Vou andando pelos caminhos passando por lápides recém colocadas e outras muito antigas. As estátuas de anjos e pessoas estavam colocadas em alguns pontos do lugar, algumas para localização, outras simplesmente para decoração, as árvores cresciam entre os caminhos fazendo sombras.
Havia morros tortuosos onde colocaram algumas lápides, algumas delas tinham velas acesas, em outras espíritos sentavam em cima delas, jogavam cartas, quando me veem, acenam e sorriem depois voltam ao jogo.
Corvos cortam o céu entre as árvores, não é atoa que o lugar tem seu nome, a maior área de concentração desses bichinhos estava aqui.
Vejo outros espíritos passeando pelo meio da floresta, alguns de crianças, e não posso evitar de lembrar da menina do pesadelo, ela era tão pequena, tão frágil.
Vou chegando perto de algumas bifurcações nos caminhos, quando pego o meu vejo que há dois caminhos da frente estão os dois homens que a atendente falou. E olha só... eu não estava errada. Me escondo um pouco atrás de algumas lápides maiores, não sei bem o por que na verdade, eles me conhecem mas ... sei lá ... isso não parece uma coisa que aqueles dois fariam, acho que a curiosidade falou mais alto dessa vez. Leith olhava um túmulo médio com duas inscrições neles, Val estava do lado falando algo, me aproximo pisando na beirada de um túmulo e ouço:
- Acha que agente devia mandar trocar a cor do azulejo? - ele pergunta - ela não gostava de tons escuros, lembra.
- Eu sei - responde Leith - Mas combina mais com o lugar não é?
- Não sei... - diz Val mapeando cabeça
- Por que não perguntamos a alguém, que pode entender disso. - Leith se mexe - Não é Verona, o que você acha?
Meu coração quase sai pela boca quando ele diz meu nome. Olho melhor para onde os dois estavam, mas agora só Leith estava lá, Val havia sumido até...
- Bom dia - escuto atrás de mim e tomo um susto, me viro para ver Val dando risada do menu gritinho.
Dou uma batidinha no seu braço e digo:
- Não faça isso.
- Você que estava me espionando, estou no meu direito.
- Não estava te espionando. Sou péssima nisso.
- Deu pra ver. - diz Leith
- Deixe de ser chato. - respondo chegando mais perto do túmulo
- Digo isso pra ele umas duas vezes por dia.- me responde Val
- Diz mesmo. - sorri Leith
Era o primeiro sorriso que eu o via dar. Val estava do meu lado esquerdo com os braços cruzados com " o sorriso fácil " como disse a atendente.
- A atendente quase teve um treco quando vocês entraram. - digo
- Por que? - dizem em único som e franzindo a testa.
Eu sorrio, eles eram realmente amigos já que faziam tudo juntos. Olho para a lápide e vejo dois nomes nela, Luisa Salles e Lorem Salles, nela também dizia:"Para a mãe amada, de seus filhos rebeldes. E para a irmã chatinha, que nos amávamos tanto."
- Mas, a atendente gostou de você. - digo a Val, e volto novamente minha atenção para o túmulo.
- O que ? - Escuto Val se indignar - por que? Eu mal falei com a mulher.
Leith ri com vontade, até perde um pouco da compostura.
- Não acredito.- diz Leith sorrindo - Cara você tem que começar a se controlar, senão vão aparecer 30 mulheres lá em casa.
- Eu não fiz nada. Eu literalmente só dei "bom dia "- afirma Val, falando com Leith que ainda ri.
O túmulo parecia ser bem antigo, mas bem feito. Os dois buquês enormes de rosas estavam em cima dele, era bem bonito, mas precisava de uns reparos. Uma parte da lápide acabou rachando com o tempo. Ele era bem limpo e polido, parecia que eles viam todo fim de semana ou que mandavam alguém limpar toda semana. Era um cuidado muito lindo com as duas que estavam ali.
- Sabe, - eles olham para mim - cores claras, são sim bem vindas - digo - dá um destaque todo especial para ele. Fora que o contraste com as cores das flores vermelhas ficaria lindo.
- Vou mandar tocar por porcelana branca então.
- Não, troca por mármore branco, porcelana somente para pratos e louça, - afirmo - Vai no mármore ficará lindo. - afirmo.
Ele sorri e agradece. Vejo Val olhando o relógio do celular. E pergunto:
- Está apressado?
- Sage disse que vinha conosco. - ele suspira - mas até agora não apareceu.
- E pelo visto não vai - responder Leith arrumando a posição das flores.
- Por que? - pergunto.
- Porque nós já estamos de saída.
Ha. Fico um pouco desapontada, gostei de falar com eles sem ser sobre ameaças ou enfermidades
- Tudo bem, ainda não cheguei no menu destino final. - digo
- Você vai mais pro final ? - ele pergunta.
- Sim.
- Existem túmulos mais para o final ? - Val me pergunta
- Não- respondo - são Mausoléus. - digo
- Seus pais eram daqui então?
- Bem ... sim ... e não, pelo sobrenome acho viemos da Europa. - Nunca tive certeza desses fatos.
- Mas eles estão enterrados aqui? - Leith pergunta novamente , agora com os olhos mais cerrados. "Deus como saio dessa."
- Não. - digo finalmente, as melhores mentiras são a com um fundo de verdade - Eles não estão aqui. Foram enterrados em outro lugar. Mas o Mausoléu da família está aqui.
- Onde eles estão enterrados ? - ele pergunta novamente.
- Eu ... não sei bem... o nome da cidade. Faz muito tempo que fui lá.
Ele estreita os olhos novamente, Val está ao seu lado com o celular na mão, até que ele toca.
"Salva não pelo gongo, mas pelo bip"
- Oi? - ele atende - Ond... Ok, estamos a caminho. - Ele desliga e diz - Sage está na doca 4, um dos carregamento extraviou, ele nos quer lá.
- Tudo bem. - diz Leith, ele se vira para mim - Cuidado.Não vimos mais ninguém aqui hoje, mas como o fim fica perto da parte densa... bem cuidado por lá.
- Pois se, não queremos perder nossa médica "excelente"- ele diz com uma piscadinha.
"Desgraçado"
Eles me dão adeus e seguem o caminho para fora do cemitério.
- Terça - feira estou lá para ver o garoto - digo alto para eles ouvirem.
Eles dão adeus e Val faz um sinal positivo. E eu vou em direção ao fim.
Quase não me livro das perguntas do Leith. Não tinha as respostas que ele queria, simples. Sempre achei que meus pais estivessem enterrados aqui, mas a uns anos eu estava procurando um colar que era da minha mãe e eu não encontrava em lugar algum, então achei que tivessem enterrado com ela. Porém quando eu abri os camiões do mausoléu ... não havia corpo. Em nenhum dos caixões. Nem no do meu pai nem no da minha mãe, só o que havia baús com recortes de jornais e folhetins extremamente antigos, algumas cartas de antepassados, e bugigangas decorativas. Não me lembro deles, eles faleceram quando eu era bem pequena, acho que eu tinha uns cinco a seis anos quando fui morar com uma tia minha - ela quem me inclinou sobre medicina- hoje tenho 24, beirando os 25, e não faço a mínima ideia de onde meus pais foram enterrados.
Chego no lugar e me deparo com uma cena um tanto desastrosa. Alguns espectros pediram para usar o lugar como campo de descanso e eu deixei claro, por que eu pensei - são espectros o que eles podem fazer de ruim - bem ... nada, se eles não acharem um navio com garrafas de vinho de 2001, correto. Pois bem... pro meu azar eles encontram. E eu tinha uns 10 espectros bêbados na frente do mausoléu.
Um deles de jaqueta estava mais acordado e fui até ele com um chutinho nele, que passou pelo ar digo :
- A festa foi boa? - ele então responde.
- Sim, - meio tonto - uma das melhores que já fizemos - agora está sorrindo.
Alguns deles começaram a se levantar, então eu digo mais alto.
- Ótimo, porque se não derem um jeito de sair daqui em 2 minutos eu vou chamar a segurança e tirar todos vocês daqui a força. Vocês vão querer enfrentar o Mish? - pergunto - justo quando vocês estão nessa calamidade?
Eles se apressam quando houver o nome de Mish, ele era um dos cuidadores do cemitério, um cara muito bacana de conversar, mas muito cruel de se lidar. Principalmente se você quebrava uma de suas regras que eram:
1- Não assustem os visitantes.
2- Não arrume briga. - seja com fantasma ou espectro ou vivos.
3- Não façam festas nos túmulos e mausoléus.
Se tivesse realmente algum corpo ali dentro eu não os deixaria tão à vontade assim, porém como não tem, não vejo problema em eles usarem o local, já que eles não podem sair do cemitério mesmo, deixo eles usarem como point. Porém com a condição de que eles não entrem na cripta dos caixões nem nos salões após eles.
O mausoléu estava mais para uma pequena cripta com uma pequena sala de entrada onde colocavam as velas -onde os espectros ficavam - um gradeado na porta dava para um minúsculo corredorzinho que ia a uma segunda sala onde tinha os dois caixões vazios, depois um pouco havia três pequenos halls que formavam um arco dentro do lugar, todos tinham baús e estantes caindo aos pedaços, algumas não, já que Charles estava dando um jeito nelas.
E falando nele, sinto a presença dele chegando perto, a sala começa a ficar mais fria e mais embasada. Essa é uma das diferenças entre espectros e fantasmas, fantasmas necessitam de um lugar físico para ficarem pois são mas fáceis de dissolverem e sem uma ligação física eles não conseguem ficar nesse plano e podem usar de telepatia quando se tem um lugar físico para ligá-los, já os espectros não, ele tem mais liberdade de andar, podendo sair alguns metros do cemitério mas não chegam nem perto de sair do cemitério, são mais palpáveis, podendo comer, beber como uma vida normal, só que apenas no aqui, o que torna mais como uma punição, já que não tem muito o que fazer aqui.
Conheço Charles há alguns bons anos, desde que eu comecei a vir ao cemitério. Ele é um fantasma de um menino de descendência inglesa de 1906 que acabou sendo esfaqueado em uma retaliação contra sua família, ele tinha 10 anos na época. É um garotinho muito doce e gentil e muito, muito inteligente. Ele tinha a alguns meses perguntado se podia arrumar as coisas por ali. Pensei que ele só queria mexer nas coisas mesmo sabe - coisa de criança. Mas ele tinha começado a limpar os livros velhos, as cartas e folhetins. Deu todo um ar mais limpo pro lugar.
A sala vai ficando mais fria mas eu não o vejo, Charles tem a mania de querer me assustar toda vez que eu venho. Só que ele não é muito bom nisso.
- Boooooooooooww - ele grita atrás de mim, me fazendo rir um pouquinho. Sua voz infantil é tão fofinha que não dá para assustar.
- Ai meus deus, que susto Charles.- digo
- Mentirosa. - ele diz flutuando atrás de mim. Ele abaixa a cabeça com um sorrisinho de leve. - Você sempre faz isso, mas eu sei que não sou bom.
- Você não tem que ser bom em assustar ninguém, você não precisa disso, já disse.
- Eu sei. - ele sai flutuando.
Ele usa as roupinhas do dia em que morreu. Um shortinho azul escuro no joelho, uma blusinha branca de botões com uma gravata borboleta vermelha e uma boina com uma fita também azul escura. Nos pés ele usava sapatinho lustrosos pretos e meias cano alto, seu cabelo loiro contrastava com a pele pálida e fria e seus olhos brancos. Ele sentou em cima de um baú e cruzou as mãos entre as pernas que balançavam.
- Mas se alguém entrar aqui e eu não conseguir impedir de mexer em algo? - ele diz.
Me abaixei perto dele e disse.
- Querido... se querer estragar seus planos de segurança, mas ninguém vai querer entrar em uma cripta como essa. - Ele olha pra mim com carinha de gato manhoso e faz beicinho.
- Mas e se os outros espectros quiserem entrar? Ontem quase morri de novo quando eu vi eles no hall.
Não posso deixar de rir, ele é muito preocupado com a segurança do lugar, todas as vezes que venho ele pergunta como está se saindo como "guardião do mausoléu" como ele se autointitula.
- Fui eu que deixei, lembra? - ele balança a cabeça afirmando.
- Mas eu fiquei nervoso, pensei que eles iam entrar para esse lado.
- Não, não, fique tranquilo que eu só deixei eles usarem o hall da frente. Ok?
Ele afirma com um suspiro.
- O que trouxe você aqui hoje? - ele pergunta mais animado.
- 1104. - Ele me olha sem entender muito.
Sento no chão me encostando no baú onde ele está e explico minha situação.
- Então... você teve pesadelos ... esse número aparece nele ... e você acha que tem algo aqui que possa dizer o que seja? - ele diz
- Sim.
- Mas V. Você percebe que foi só um sonho né? Ou melhor um pesadelo.
- Sim, eu sei. - suspiro - mas não custa nada olhar né? Pode ser que eu tenha visto algo aqui ... que ... não sei ... possa ter me dado um gatilho.
Ele pensa um pouco e me responde.
- Olha... aqui você não vai encontrar nada com essa data ... Bem - ele começa flutuar - tem uns livros beeeemmm velhos que podem chegar a essa data, mas todas as cartas e coisas mais pessoais pelo que eu vi são a partir de 1270 em diante.
- Mas param nos meus pais?
- Bem ... nem tanto, parecem ser bem mais velhas que seus pais. Ali perto da década de 1950 por aí. Seus pais não são dessa época né?
- Não. - se não eu seria muito mais velha - Bem ... me mostre o que você tem de 1100 então.
Ele vai flutuando até uma prateleira mais velha e vai olhando os livros entram seis livros grossos começam a flutuar em minha direção. Eram alguns com capas lisas ou com bordados na frente, todos tinham cores diferentes, alguns escuros mais claros. Todos muito bonitos e bem cuidados
- Você cuidou muito bem deles.
- Queria levar todo o crédito por isso. Mas na verdade é que eles já estavam bem cuidados. Eu só continuei limpando.
Eles ficaram em uma pilha perto de mim e Charles, acho que todos deviam ter mais de duas mil páginas, então digo:
- É melhor começarmos a estudá-los logo não é? - digo a Charles- você vai me ajudar certo?
Ele balança a cabeça afirmativo, ele gosta muito de ser útil, acho que por que ele passa muito tempo sozinho.
Nós dois pegamos cada um um livro para começar a destrinchar o que diziam.
...
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Lost Between Lives
FantasíaPor quase um ano Verona Recci tem trabalhado o dobro do que consegue. A melhor medica a domicílio que Verilian Hall tem, vem cuidando de dois lados inimigos do que seria uma guerra civil por território entre os Ruby Tears e o Departamento. Os dois...