Capítulo 10

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   "A primavera costuma ser uma época linda, os dias de sol, as flores, os cheiros de boas refeições no ar, tudo vai bem, durante o dia. As noites de primavera guardam caçadas horrendas que acontecem próximas ao chalé. Evito ao máximo sair durante a noite, mas noite passada não tive outra escolha. Uma amiga teve problemas de saúde e me pediu para ir ao seu auxílio à noite. Tudo se resolveu rápido, estava voltando para meu chalé quando escuto ao longe cavalos. Me apressei para sair de sua rota, não seria nada bom se eles me encontrassem na floresta no meio da noite. Eram mais ou menos quatro cavalos por tanto quatro cavaleiros ... contra uma, não seria muito agradável, nas menores hipóteses.
   
    Vou passando pelo caminho do rio onde haviam grandes árvores que tinham suas raízes grossas à mostra, desço pelas pedras apreensiva, era ali que animais maiores gostavam de se esconder. As pedras estavam escorregadias por conta das gotas de água, me fazendo deslizar a cada passo, meus pés estavam começando a doer, mas continuei a descida. Ouvi os cavalos chegarem mais perto e um assobio breve, meu coração começou a martelar mais forte e minha respiração pesar olhei para trás e não avistei nada. Quando chego em uma das curvas do rio me encolhi perto de uma abóbada feita pelas raízes, a copa feita por elas deixava escuro, escutei o trotar dos cavalos bem perto agora. Me levei para onde a parede de terra se iniciava, me encostei bem nela segurando minha capa sobre os ombros, minha respiração estava compassada mas estava mais calma, ali eles não me veriam.
  
    Ouço os cavalos acima de mim, algum dos homens falava algo sobre a fuga de um animal, mas eu não consegui entender, uma deles disse que era melhor sair daquela região pois coisas estranhas aconteciam depois do rio e uma bruxa vivia ali perto. Os cavalos começam a se mexer e logo os sons desaparecem.
  
    Soltei um suspiro pesado - que bom, estava livre - me afasto mais da parede e fui andando de costas e me choco com alguma coisa, meu corpo esquentou de uma maneira estranha, um grunhido veio atrás de mim, eu parei naquele instante, não respirei e não me movi. O grunhido ficou mais forte e percebi que o calor que eu senti era uma respiração fraca, mas pesada.
 
     Virei minha cabeça bem devagar, meu coração voltou a acelerar, ele estava na minha garganta quando me deparei com olhos prateados de frente com meu rosto. A lua cheia iluminou o local onde estava, meu choque maior foi ver que não era uma animal enorme mas um homem. Um homem de olhos prateados como a lua, de cabelos pretos e pele parda cheio de cortes pelo corpo. Ele segurava um lado do tórax onde claramente havia uma perfuração profunda já que brotava muito sangue dele.       
  
    Seus olhos me seguiam aonde eu olhava, quase não o sentia respirar agora, ele estava encostado na parede, suas calças sujas de terra e sangue assim como a blusa folgada, seus cabelos não tinham corte e os ferimentos em sua cabeça estavam minando e tingindo sua pele de vermelho. Ele continuava olhando para mim, até que seus olhos fecharam completamente e um grunhido de dor agonizante saiu de seus grossos lábios.

     Me afasto dele rápido, ele estava segurando a parede, o suor passou a escorrer de seu rosto, eu não sabia o que fazer. Se o deixava ali para seu sofrimento acabar ou o ajudava de alguma forma. Não queria perder tempo tendo que levar alguém para casa, já que eu demoraria e isso seria um risco com os cavaleiros rondando por aqui. Mas se eu o deixasse ... minha consciência não permitiria. Ele estava agora sentado encostado na parede, sua respiração estava rápida e curta, ele levanta sua cabeça e olha para mim, me afasto novamente apreensiva e ainda indecisa, se iria enfrentar o risco ou minha consciência.
" por favor .... Me aj... me ajuda."
  Sua voz estava fraca e cansada, eu estava olhando para o chão, não queria enfrentar seu rosto novamente.
"Por... favor ... moça. Por favor ... me ajuda"
  Ele repetiu.
"É.. eles... eles vão... me matar." Ele disse.
  Levanto meu rosto, me rendendo a sua agonia, ele olhava para mim novamente, seus olhos eram calmos, passava tranquilidade mas ao mesmo tempo dor e sofrimento.
   "Por favor ..." foi o que saiu dele antes de sua cabeça pender para o lado já sem força. Então eu perdi a sanidade. Corri para perto dele e olhei sua pulsação, estava tão fraca que era quase impossível que estivesse vivo, olhei novamente seu rosto e suas feridas, pelo menos as da cabeça, estavam páramo de sair sangue, isso era bom ou ruim? Eu não tinha como saber naquele lugar? Olhei para eles mecha em seu rosto, seus olhos se abriram um pouco em minha direção então eu disse:
  " Minha casa fica perto, - eu afirmei-  mas você vai ter que se levantar, não consigo erguer você sozinha."
   Ele falou algo que parecia um sim, então tratei de colocar um de seus braços sobre mim, ele ainda segurava o tórax, mas se impulsionou para cima comigo. Quando estávamos de pé ele pendeu para cima de mim disse a ele para se manter pois não daria conta de tudo. Então nós fomos em direção ao meu chalé.

...

    Olhei para meu celular que marcava 19:00, já estava tarde e eu estava cansada, não tinha mais fadiga ou dor de cabeça mas minha vista estava cansada, já uso óculos e ter que ler na baixa luz do lugar e letras tão ruins acabou com o resto de visão que eu tinha.
 
   Fechei o livro e Charles perguntou:
- Você não vai terminar? - e fez biquinho
- Hoje não vai dar. Estou cansada e tenho que voltar para casa. Minha amiga deve tá surtando achando que eu pirei e cai em uma vala qualquer. - balancei os ombros.
- Tudo bem. - ele flutua até mim - você vai querer levar alguma coisa? - ele pergunta.
   
    Olho para os livros pelo chão. Eu não ia carregar todos aqueles livros até meu carro, principalmente à noite. Mas eu queria continuar a pesquisa então ...
- Vou levar só o que estava lendo.
     Pego o grosso livro do chão e quase não me levanto de tão pesado que era.
- Por que as pessoas da antiguidade gostavam de coisas grandes? Não faz sentido um livro dessa grossura, não dá para andar com isso.
- Acho que eles não foram feitos para serem moridos para longe.
- Movidos. Pois se também acho.
   
    Sabe quando você puxa algo com força do chão e essa coisa não era tão pesada como parecia. Pois se. A princípio o livro parecia extremamente pesado, mas quando o tirei do chão e ficou leve com uma pluma, com isso eu cambaleei para trás um impulso.
   Olho para Charles sem entender direito o que ouve. Acho que o livro tinha algum tipo de magia para deixá-lo mais leve ou mais acessível para ser carregado. Fiquei bem feliz com isso, facilitou minha vida.
- Charles, alguém quer me ajudar. Olha que progresso. - afirmo sorrindo.
- Haha - ele ri agitado.
- Bom já vou indo, fique bem ok? Descanse. - digo colocando o livro embaixo do braço.
    
     Ele vai flutuando comigo para a saída, quando chegamos fora do lugar eu dou camacha a dentro do mar de lápides e espectros bêbados, escuto Charles dar   "Tchau ", me viro para ele e dou tchau com a mão para ele.
    
    Já estava escuro quando sai, mas os caminhos por onde passava estavam iluminados por orbes de luz presentes nas árvores e alguns postes também faziam a composição do lugar. Passei novamente pela lápide das duas mulheres que Valentino e Leith estavam. Os grandes buquês de rosas estavam lá, eles reluziam um vermelho baixo mas bonito. Aqueles buquês durariam um bom tempo, provavelmente até que eles voltassem para colocar novos.
      Me vi querendo saber mais sobre eles. Como seriam casualmente? Como eles seriam em um jantar em família? Como eles se tratavam entre si, fora do profissionalismo?   
   São perguntas interessantes a descobrir, talvez algum dia. Por hora - ou muitos anos - eu gostaria de ir, trabalhar e sair o mais rápido possível. Já estou cansada de ter problemas na minha vida.
    Chego até meu carro, coloco livro no banco de trás e entro na frente, ligo o carro então  começo a desliza-lo pela rodovia, assim sigo caminho para casa.

Lost Between Lives Where stories live. Discover now