Capítulo 12

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    Ainda estou pensando na conversa que tive com Muriel naquela noite.

...
  
- Você vai viajar? - pergunto novamente porque ainda não havia entendido.
- Sim.
- Por que achou alguém para trabalhar com você?
- Sim 
- E tem que ir buscá-lo?
- Sim. - diz ela sentada no banquinho do balcão.
    Quando eu havia voltado do cemitério ela já tinha feito a nossa janta, estava esperando na sala assistindo algum seriado teen que ela adora.
    Nos sentamos no balcão para comermos ela conta essa novidade... do nada.
- Vou amanhã.
- Ok - respondi, meio aturdida.
   Muriel não era de sair assim do nada, nem de realizar planos do nada, isso é estranho para os padrões dela.
- Você conhece essa pessoa?
- Não, vou conhecê-la agora, - ela pára um pouco - quer dizer em dois dias .. - ela sorri.
    Ok. Ela não ia me contar quem era, tudo bem. Confio na minha amiga ao ponto de trazer um completo estranho para casa? Sim. Talvez. Sim, sim. Muriel é a pessoa mais responsável desse mundo, se ela diz que é certo, quem sou eu para desdizer.
- Tubo bem. Vocês voltam quando?
- Lá para sexta-feira, ou sábado.
- Isso não é muito tempo? - pergunto - por que é só buscar ele e voltar, não.
- Sim ... - ela diz, mas faz uma pausa rápida - mas eu vou passar na minha casa. - ela me olha - para ver como estão as coisas.
    Ah. Aaaahhh. Entendo.
- Você não precisava esconder isso. Sabe né.
- Sim, mas mesmo assim, eu não sei como eles vão reagir, estou um pouco nervosa, e você não gosta muito da muita da minha família.
     Na verdade detesto e por isso entendo seu lado, mas eu não entendo o por que de não me contar. Mas tudo bem. Cada um e cada um, nunca vou me entender completamente, quem dirá o outro.

...

    Tinha deixado ela no aeroporto internacional na segundas-feiras a noite. Seu avião ia sair às 20:47, iria pegar um voo direto para o ponto final  e voltaria parando na Alemanha ocidental. Estava rezando para que ela não tivesse problemas na imigração, eles eram muito rígidos com quem entrava e saia do país, se ela entrasse só, não correria perigo algum. Porém como ela estará como um acompanhante de outra nacionalidade, provavelmente eles iriam passar por algumas entrevistas antes de entrar no país.
    Estava nervosa por ela, mas não ia encher o saco. Ela era adulta e nós conversamos sobre os riscos. Eu tinha outros compromissos na semana, era terça e a revisão do Will tinha sido marcada para a tarde daquele dia. Pela manhã fiz alguns trabalhos em uma comunidade na área residencial do lado leste. Havia me encontrado um pouco mais tarde na mesma manhã com Kalia para resolvermos alguns assuntos pendentes do acordo, mas quase não deram para ser comentados já que Sage tinha que estar na reunião.
   
   O acordo tinha sido feio APENAS por Kalia e Sage, nenhum dos dois quis ceder, acho que por eu já ter visto muita coisa talvez, ou por que eles realmente me achem boa no meu trabalho - gosto de pensar mais na segunda opção.
  
    Mas acabou que o acordo era bem simples: eu continuaria ajudando os dois lados. Sem ameaças, sem interrogatórios, nada do tipo, mas eu teria locais inacessíveis, entrava só para meu trabalhos e meu pagamento de ambos seria cortado para 2/4 do que eu ganhava já ganhava. Só tinha um porém, que foi o motivo da reunião.
   A questão que eu queria discutir era... eles queriam que eu assinasse um termo onde basicamente os dois iam se tornar meus chefes, e como eu já disse, eu não tenho chefe. Não queria ter que me reportar a cada passo para alguém,  Kalia era minha amiga, ela já saberia de quase tudo, Sage ... a última coisa que eu quero e ele igual um abutre com meu telhado de novo.
     A reunião estava marcada em uma área mais afastada dos grandes locais de circulação, mas eu e ela acabamos não ficando nem cinco minutos lá pois eu recebi uma mensagem de Leith falando que Sage tinha ficado "indisponível" naquele horário, sendo que isso já havia sido marcado a quase uma semana.
   
    Eu e Kalia saímos do local xingando quem estivesse na nossa frente, era muita falta de responsabilidade uma coisa dessas, fomos almoçar em um restaurante na São José que ficava perto de uma praça aberta. Continuamos a conversar, Kalia contou sobre o aniversário de sua avó que está próximo e ela queria fazer uma surpresa para ela, a dona morava no Brasil e ela não sabia direito se poderia ir vê-la ou não, mas disse que sabe não conseguisse daria um jeito de pelo menos mandar um presente. Contei sobre Muriel e que estava aflita com tudo, falei também sobre minhas dores de cabeça, não tinha segredos para ela, conheci Kalia na época em que fazia plantões em hospitais, de vez em quando ela chegava para dar pontos em alguém ou para ela ser a ponteada.
    
     Quando desgostei da medicina clínica e passei para a  residencial, comecei ajudando eles nas brigas contra os Ruby. Mas só quando não havia médicos o suficiente, o dinheiro não era grande coisa, na verdade era pouquíssima coisa, não dava para pagar as contas, comprar comida e coisas de casa, eu tinha sempre que escolher duas dessas. Não tinha nem roupas para usar mais, estavam tão velhas que nem as tranças queriam.
   
       Foi quando eu encarei a verdade. Se eu não achasse outro meio de aumentar minha renda ia ficar mais difícil, ia perder o apartamento que morava junto com tudo que tinha dentro, e foi o que aconteceu.
    Engraçado pensar que isso faz pouco mais de um ano que eu estava sendo despejada apenas com uma mala com algumas roupas e dois pares de sapatos, meu notebook e a roupa do corpo. Minha conta estava no ralo e eu não tinha para onde ir. Ainda criei coragem de ligar para Kalia e pedir para passar duas noites na casa dela, de dia fui procurar lugares para ficar, porque não dava para ficar lá.
   Primeiro porque o horário dela era maluco, do nada a garota tinha que sair no meio da noite ou passava quase dois dias fora.
   Segundo, vergonha né. Eu sempre me cuidei sozinha, me virava com o que tinha e com o que dava. Sempre deu certo, mas naquele momento me vi num beco sem saída. Até que eu vi que a saída era a entrada pela qual eu tinha me metido. Ou seja, se eu quisesse tinha que começar a dar assistência nas residências, eu tinha que procurar residências para trabalhar.
   
    Isso foi até fácil, existem várias comunidades Vellirian que precisam de auxílio já que os tratamentos em hospitais são caros demais. E foi esse o impasse que eu tive.
   
     De novo, eu consegui os clientes, porém eles não tinham como pagar os tratamentos, nem meu serviço e eu não conseguia cobra-los. Como eu ia dizer "você tem que me pagar 600 dólares" sendo que eles não tinham o dinheiro para pagar o aluguel no início do mês. Aquilo me deixava bem mal, então eu tive que escolher, implorar para voltar ao antigo trabalho ou morrer de fome.
    Na semana seguinte lá estava eu com meu uniforme 2:00 da manhã no plantão, foi a época que eu consegui um apartamento e que eu estava bem apertada com o tempo e Muriel apareceu, dessa vez eu fiz um fundo reserva para comprar os remédios das pessoas da comunidade.
   
    Uns seis meses antes de eu começar a atender os dois lados da guerrilha estava a noite passando por uma das ruas do Mar sombrio pois tinha ido ver a filhinha de duas amigas minha ela tinha tido uma crise de bronquite e elas se preocuparam, quando estava saindo da área, vi uma comoção de homens carregando outro pela rua da frente. Fui pelas paredes até chegar no bar que eles tinham entrado, olhei pela vitrine da frente, eles tinham-o colocado em cima de uma mesa, o homem sangrava muito e estava pálido. Um dos caras me viu na frente e veio logo a onde eu estava, ele me perguntou quem eu era enquanto me segurava pelo braço e me arrastava para dentro do bar. Eles olharam para mim e eu disse que era médica e podia ajudar, se eles quisessem.
    
    Um homem alto saiu das sombras. Foi a primeira vez que vi Sage, ele estava com os cabelos bagunçados, o rosto suado e com manchas de sangue, assim como na sua camisa e mãos, sua jaqueta estava em uma das mãos que a segurava com força, sua respiração pesada mas rápida.
    Ele chegou perto de mim e vi que ele era bem mais alto do que eu previ, naquele momento eu não sabia que o dono dos olhos verdes esmeralda atraentes, era o chefe de uma gangue que estava tendo tomar a cidade do Departamento. Ele colocou a mão nas minhas costas e me levou para mais longe, ele olhou para o homem na mesa e depois para mim falando:
- Você pode realmente fazer algo?
   A voz dele estava profunda, doida. Mas era muito bonita, grave e forte, me lembrou um trovão das chuvas de inverno, me senti um pouco zonza naquele momento. Era algo que eu não esperava, uma voz tão firme, mas pensando um pouco depois, aquela voz era dele ... era ele, só ele, combinava perfeitamente com tudo o que eu via.
- Vou tentar. - ele franse as sobrancelhas - Eu não sei o estado dele, não sei o que realmente posso fazer. - digo.
     Ele não parece certo do que eu disse, olham novamente para a mesa e retorna para mim e pergunta:
- Você vale o risco?
     Seu olhar me penetrou e uma onda de incerteza me acertou.
     Ele queria uma resposta, engoli seco, juntei toda a coragem de força que eu tinha e disse:
- Valho. Eu valho o risco 
      Tinha me esquecido de sua mão nas minhas costas. Naquele momento eles me esquentaram, como se uma leve chama estivesse o atingido, não me toquei da nossa proximidade até sentir sua respiração ficar mais calma. Então ele diz:
- Vai.
     Ele retirou sua mão de mim, e o frio tomou conta do meu corpo novamente.  
    
     Me virei meio aturdida e fui até o homem deitado na mesa, era uma hemorragia bem ruim e vários cortes, mas o que daria um pouco mais de trabalho seria alguns cacos de vidro em algumas partes da pele e músculos.
     Ele havia chegado mais próximo do corpo agora, estava com as mãos abraçadas ao corpo, ele olhava diretamente para o rosto do homem. Na época eu também não sabia, mas eu estava salvando a vida do Ceifeiro da Ruby. Valentino Verito Salles está praticamente dado como morto naquela mesa.
    Comecei a trabalhar, a sorte deles era que eu tinha levado minhas linhas junto, deu um trabalho para estancar o sangue e fechar qualquer ferida que pudesse causar outra hemorragia. Depois fui tirando os cacos de vidro. Minhas linhas flutuavam no local, estava escuro para eu encheriam direito então pedi para que eles trouxessem algumas lanternas ou qualquer coisa que iluminasse mais no local.
   Pedido concedido.
   Me trouxeram várias luzes, até as de flutuação, colocaram todas em volta de mim, já tinha estava em várias salas de cirurgias e sabia o que era trabalhar com plateia então os 17 homens ao meu redor não me encomendar-me-ei muito.
  
    Trabalho terminado, Val estava completamente estável, sem sangramentos, cortes ou cacos. Todo perfeitinho e com o sangue onde tinha que ficar, dentro dele. Val teve uma recuperação impressionante, dez minutos em observação depois ele já estava consciente, mais cinco e estava balbuciando, dois minutos falando pelos cotovelos, como tinha que ser. Verifiquei todos os seus batimentos, reflexos. Todos começaram a fazer uma festa quando ele sentou na mesa.
  
      Me deixei cair aos pés da mesa, naquela época nunca tinha usado por longos períodos as linhas, aquela foi a primeira vez, quase três horas e meia. Eu estava exausta.
      Foi quando um corpo enorme e quente se atirou em mim, os braços enormes de Sage me rodearam, ele sussurrou para mim:
- Obrigada.

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⏰ Last updated: Dec 12, 2021 ⏰

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