CAPÍTULO 1 - O recomeço

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"Um grande amor do passado se transforma em aversão

E os dois, lado a lado, corroem o coração ... "

(entre a serpente e a estrela- Zé ramalho)


Cinco meses depois ...

A gota d'água escorrendo pela vidraça cativa o meu olhar. 

Aos poucos vou percebendo o quanto a janela aparenta estar mais limpa e transparente, agora que o temporal se dissipa. É fascinante o quanto o colorido das luzes da noite refletidas nas gotas de chuva, podem seduzir o olhar ao mesmo tempo que embaça a visão da paisagem lá fora. É como a paixão que hipnotiza o olhar dos amantes e abre possibilidades de possibilidades, ao tempo em que cega a visão para a realidade que se apresenta, o que realmente existe, talvez como possibilidades sejam enganosas.

Volto à realidade da sala fria e solitária em que me encontro. Cheguei à cidade há três dias e ainda não tenho tempo de arrumar todas as minhas coisas. O apartamento que aluguei é bem pequeno, porém confortável, tinha uma mobília básica, simples e de bom gosto, o necessário para uma pessoa. O prédio residencial de oito andares é novo e foi a melhor opção que encontrei dentro do orçamento baixo que disponho. Nunca imaginei que teria que recomeçar minha vida aos trinta e três, sei que sou jovem, mas não consigo me sentir assim. Acho que já vivi tanta coisa que o peso da experiência se sobrepõe aos limites da idade.

São oito horas da noite ea fome começa a dar as caras, corri tanto de um lado para outro durante esses últimos dias, resolvendo problemas e procurando emprego que nem me alimentei direito, nesse domingo mesmo tudo o que comi além do café da manhã, foi um macarrão preparado às pressas. Um sanduíche pode resolver meu problema por hora. Sento-me no sofá amarelo de dois lugares, fitando como caixas com livros que ainda não organizei e coloco o prato com o misto de presunto e queijo e uma lata de refrigerante na mesinha ao lado, preciso parar de tomar isso se não quiser desenvolver uma diabetes na terceira idade.

Caderno de abrindo o meu velho, começo a procurar por emprego nas lojas do bairro em que estou morando agora, amanhã pela manhã enviarei mais alguns currículos para lojas e empresas e farei uma entrevista. Minhas economias não vão durar mais que seis meses, ainda assim não posso voltar atrás. Na minha atual situação qualquer emprego que pague minhas despesas básicas me servirá.

Vim para Recife como última tentativa de salvação, preciso me encontrar, encontrar um propósito na vida antes que meu tempo acabe e eu perceba que não vivi. É complicado sentir que sua vida foi como um barco à deriva que te levou por rumos que você não planejou, mas ao mesmo tempo, saber que tudo foi consequência de suas próprias escolhas e decisões, ou por sua negligência.

Já são dez da noite, o caderno descarregouou. Acabei o sanduíche e a latinha continua quase cheia, perdi a vontade, melhor assim, quanto menos açúcar melhor. Levo tudo para a pia, melhor escovar os dentes e ir dormir.

No quarto, deitado em uma cama simples de solteiro e fitando o teto branco, lembro-me da minha família deixada no interior, dos conselhos de minha mãe e da rigidez do meu pai. Será que se eles são diferentes, meu destino também teria sido?


Penso nele, aquele homem que deveria ser a minha história de amor, mas se tornado minha história de dor. Eu havia sido apaixonada por João Pedro desde os 13 anos. Ele tinha 17 e era irmão do Lucas, meu colega de classe. Chega, não quero mais pensar nele. Ele não merece.


Afago o travesseiro e tento dormir. Ouço um choro de criança pequena, deve ser no andar de cima. Estou exausta, cansada demais para relaxar. Mais uma noite de agonia, minha mente não parava, estava acelerada, fazendo outros de conjecturas. A chuva parou e os barulhos da avenida voltam a soar aos meus ouvidos. Pelo jeito não investiram muito na acústica do prédio. Eu gosto dos filhos de buzina e pneus passando lá embaixo. Do quinto andar eles me acalentam e me relaxar fazem. Sinto que a cidade está alerta, não estou só, a noite na capital é movimentada e de certa forma isso me conforta, tenho medo do silencio. O lamento do bebê vizinho continua sentido, fico imaginando sua mãe o acalmando com uma canção de ninar e aos poucos eu vou relaxando.

EM CADA PASSOOnde histórias criam vida. Descubra agora