CAPÍTULO 9

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BERNARDO

Despertei no sofá da sala com o chorinho da minha filha. Após a saída da Raquel, fiquei repaginando a nossa conversa e lamentei pela minha falta de sensibilidade ao falar sobre a sua esterilidade. Não era da minha conta e eu não tinha o direito de dar palpites num assunto tão pessoal. O fato é que isso me incomodou, de alguma forma, a situação de Raquel mexeu comigo. Era uma mulher diferente de todas que eu conhecia, trazia uma profundidade, até mesmo certa tristeza no olhar e ao mesmo tempo era forte, não se deixava abater nem ficava se fazendo de vítima. Pelo que a Carmen me falou, ela veio de um casamento fracassado, mas não ficava lamentando suas frustrações.

A imagem dela admirando as coisas da Bebel não saía da minha cabeça, ela ficava ainda mais linda com a minha filha no colo. Ela era linda de qualquer jeito! Os olhos escuros com aqueles cílios espessos que até pareciam postiços, mas obviamente eram naturais, seu sorriso, aquele cabelo tão negro e brilhante. O ex-marido deve ser um tremendo babaca! Não entendo que tipo de homem deixava escapar uma mulher daquela. Talvez fosse um mané igual a mim, sem atitude. Ri de mim mesmo.

Adormeci no sofá apertado e desconfortável para o meu tamanho, sem ao menos tomar um banho nem comer algo. Agora, quatro horas depois, era hora de cuidar da "oncinha" e perdi a oportunidade de cuidar de mim mesmo. Quando eu iria aprender? Corri para pegar minha filha que reclamava com razão por estar com a fralda cheia, preparei a água para o banho dela, pelo menos ela podia ter um. Minha filha adorava brincar na banheira, tinha uns livrinhos de material lavável com historinhas curtinhas que eu deixava na banheirinha e ela agitava batendo na água, fazendo a maior zona no banheiro.

Depois que enxuguei a Bebel e coloquei fralda e um pijama limpinho, levei-a no carrinho para a cozinha e preparei uma mamadeira enquanto esquentava a comida que a Carmen fez, no micro-ondas.

— E agora oncinha, quem de nós vai comer primeiro? Claro que é você minha princesinha. O paizão aqui pode morrer de fome, mas você vai ser o bebê mais gordinho daquela creche.

Bebel olhava pra mim como se entendesse o que eu dizia

— E aí, gatinha? Tá preparada pra enfrentar a vida social? Frequentar uma creche pode ser uma aventura desafiadora para uma garota comportada como você, sabia? Lá você vai encontrar muitos perigos, garotas invejosas querendo roupar sua chupeta, adultos desesperados porque alguém vomitou no tapete e o pior de todos... garotos. Sim, querida! Eles são terríveis. Fique longe! Escute o seu pai, garotos podem ser extremamente bobões e atrapalhados. E se você quiser ficar segura, nunca tome a iniciativa. Se eles não falarem com você, ignore-os, se eles falarem, corra e me avise!

Minha filhinha abriu um sorriso sarcástico que me lembrou a mãe dela. Por um instante tive a impressão de que ela faria o contrário do que eu aconselhava e me imaginei daqui a uns quinze anos, não daqui a uns dezessete anos tendo que espantar os marmanjos que correriam atrás dela. Tomara que não tenha puxado à mãe!

A lembrança de Sabrina dando em cima de mim na lanchonete da faculdade me fez sorrir.

— E aí, filha, o que você acha de vez em quando passar a noite com a Raquel, hein? Já pensou vocês duas juntas, seria legal, né? A Raquel é supersimpática e bonita, já viu aquele cabelão dela? — a neném fazia uns sonzinhos e agitava os bracinhos enquanto eu esfriava o leite para alimentá-la. — Lindona, né? Mas não se preocupe, papai só tem olhos para você, minha pequena bruxinha.

Peguei minha filha do carrinho e me sentei para dar a mamadeira a ela. O telefone que estava em cima da mesa começou a tocar. Apoiei a mamadeira de forma desengonçada e atendi com um toque, colocando no viva-voz.

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⏰ Última atualização: Jan 08, 2022 ⏰

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