Prólogo - Em cada passo

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Cada passo

"Quando eu subi, desci
Quando eu parti, voltei
Quando machuquei, doeu
Quando errei, corroeu
Mas aprendi ..."

(Íngreme- Guilherme de Sá)

"NEGATIVO"

Minhas mãos tremiam enquanto eu segurava aquele papel, decepcionada, com os olhos ardendo e garganta ressecada, eu relia aquela palavra que pela quarta vez em menos de um ano, fazia desmoronar os meus sonhos como num castelo de cartas.

Em minha consciência busquei em vão, por algo que me fizesse emergir, uma esperança, como uma tábua de salvação para me agarrar e não permitir que a tristeza me puxasse para baixo e me afogasse no mar escuro do desespero. Eu não queria, tentei ser forte, resistente.

Aquela não era a primeira vez que me deixava iludir, que acreditei que daria certo. Todos os meses era a mesma coisa, expectativa e ansiedade se fizeram minhas fiéis companheiras. Há mais de cinco anos eu esperava e já buscava uma forma de me consolar, dizia a mim mesma para não me preocupar porque quando fosse para acontecer, simplesmente aconteceria, procurava não pensar no assunto, me distrair. Mesmo assim, mais uma vez senti o meu coração se rasgar e meus olhos marejados não conseguiam me libertar daquela palavra simples que novamente acabava comigo.

O acontecimento mais sublime na vida de uma mulher, o auge da feminilidade, era o maior desejo da minha vida. Gerar uma vida, um outro ser que eu pudesse amar e cuidar, ver crescer. Desde criança eu alimentava esse desejo, um sonho antigo que a cada ano que se passava, tornava-se mais distante - ser mãe. Algo tão simples e natural para tantas mulheres, era para mim, quase utópico.

Talvez na minha ingenuidade, eu achasse que isso me salvaria. Há muito tempo deixei de sonhar com felicidade, para mim era irrelevante. Felicidade não mais fazer parte do meu projeto de vida, se é que minha vida possuía algum projeto, mas quem sabe, um filho poderia trazer um pouco de alegria para a minha vida insossa e me devolveria a sensação de ser amada.

Inevitavelmente, uma acusação recorrente invadiu meus pensamentos como redemoinho:

"Você é seca, nem pra isso você serve!"

Foram as palavras que saíram da boca do meu marido sem um mínimo de cuidado ou recebio. Aquele que nesse momento, deveria estar me consolando, animando, foi justamente quem me acusou sem se preocupar se me feria de maneira irremediável. Como uma tola, eu ainda tentava justificar suas atitudes pensando que ele poderia também estar decepcionado, afinal ele queria muito ser pai, como se isso fosse motivo para tanto desprezo.

João Pedro Solano, meu esposo, ao receber os resultados dos exames não se preocupou em fingir, nem mascarou sua frustração. Antes, fez questão de demonstrar sua raiva e o quanto eu o decepcionava. Me fazer sentir a culpa pela minha incapacidade de gestar. Aliás, essas quase catorze anos de casados, ele nunca perdeu a oportunidade de me cobrar. Só que eu ainda não conseguira me acostumar com aquilo.

Desde o início do nosso casamento ele me cobrava um filho, eu o convenci a esperar um pouco até termos nossa vida estabilizada. Nunca fomos completamente felizes e eu sempre imaginei que um filho completaria o que nos faltava, que um filho poderia nos trazer a felicidade que não existia. Talvez tivéssemos casado pelos motivos errados. E lá no fundo de minha alma eu sabia que isso era verdade, porém mesmo assim eu não queria ouvir mais aquelas palavras que tanto me machucavam.

Tão logo mostrei o resultado dos exames a João Pedro, após despejar seu desprezo sobre mim, saiu de casa sem me dizer aonde iria. Fiquei ali na sala de estar de nossa casa, sozinha, ruminando a minha decepção, cansada. Levei um tempo para me recuperar depois da discussão com o João. Eu havia chegado do trabalho e passado no laboratório para pegar o resultado do teste, ainda estava com a roupa que usara durante o dia todo no escritório. Tomei um banho demorado, deixando que a água morna levasse minhas lágrimas. Me vesti e fui preparar o jantar. Esperava que o João retornasse logo, mais calmo, para conversarmos e acertarmos nossas divergências, como sempre fazíamos depois das consequências devido.

EM CADA PASSOOnde histórias criam vida. Descubra agora