CAPÍTULO 3 - O mundo que você me deu

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"Isso nunca tem fim, nós estivemos aqui antes

Mas eu não posso ficar dessa vez porque eu não te amo mais

Por favor, fique onde está, não se aproxime

Não tente me fazer mudar de ideia

Eu estou sendo cruel para ser gentil"

(Love In The Dark - Adele, Samuel Dixon)


RAQUEL

São duas da tarde de sexta-feira e estou em uma clínica de estética aguardando ser chamada para mais uma entrevista de emprego, dessa vez eu disputava uma vaga de atendente. Era a quinta entrevista que eu fazia esta semana. Essa vaga oferecia um salário razoável e plano de saúde. Eu preciso conseguir um emprego logo, ou meus planos iriam por água abaixo. Só sei de uma coisa, pro interior eu não volto de jeito nenhum. Não nadei contra a correnteza e enfrentei tantos obstáculos para morrer na praia, nem que pra isso eu precise me oferecer para trabalhar de zeladora ajudando na equipe da Carmen ou vender lanches e doces na porta de algum hospital. Coragem para correr atrás eu tinha de sobra e qualquer coisa seria melhor do que voltar para a vida de antes, naquela cidade. Apesar de ter vivido toda a minha vida e de lá estarem as pessoas que mais amo nesse mundo, não é lá que vou passar o resto dos meus dias. Não fui feliz ali, nem serei se voltar. Disso eu tenho certeza, pois as lembranças ainda me machucam.

Naquela cidade do interior, fui criada como tantas outras meninas, sem muitas expectativas de crescer na vida, de evoluir, construir um futuro que me trouxesse satisfação. No início da minha adolescência já me imaginava casada e cheia de filhos como minha mãe e minhas tias. Sendo a sexta filha, vi meus irmãos se casando e saindo de casa ainda jovens e sabia que esse seria o meu destino também.

Mas no meu íntimo eu também alimentava o sonho de estudar e ter uma profissão admirável. Meu pai era agricultor e eu o admirava por seu caráter e por seu ofício que é um dos mais belos na minha opinião, afinal, são os agricultores que alimentam o mundo todo. Meus três irmãos mais velhos seguiram o meu pai e até se empenharam em aprender técnicas mais modernas para o melhor aproveitamento das terras. Depois dos três homens mais velhos vinham minha irmã Maria Rita de quarenta anos, que se casou sem concluir o ensino médio com um rapaz da vizinhança, o José Paulo, com quem teve quatro filhos e Alberto que fez engenharia de pesca, o primeiro a fazer faculdade na família, casou-se com um colega da faculdade, a Micaela. Eles têm um filho lindo chamado Antony de seis anos. Talvez não seja correto dizer isso, mas Antony é meu sobrinho preferido, não por qualquer motivo. 

Micaela ficou grávida no mesmo período em que tive uma gravidez psicológica, eu sentia todos os sintomas de uma gestação, os enjoos, o sono, dor nos seios e ficamos muito empolgadas em dar à luz na mesma época. No entanto, todos os meus exames deram negativo e eu fiquei arrasada. O que me consolou foi acompanhar a gestação da minha cunhada. Ela me deu o Antony como afilhado e quase todos os dias eu os visitava na saída do trabalho.

Antony apresentou um desenvolvimento atípico logo nos primeiros anos de vida e aos dois anos foi diagnosticado com TEA que significa Transtorno do Espectro Autista. Meu irmão e Micaela ficaram arrasados ​​e eu procurei estudar sobre o assunto para ajudá-los. Tudo isso fez com que eu me apegasse ainda mais ao meu afilhado e esse vínculo é o mais lindo que trago comigo. Por causa dos tratamentos do Tony e também por novas oportunidades na profissão, meu irmão foi morar numa cidade próxima, mais desenvolvida. De repente me bateu uma saudade do meu Tony, meu coração chega a apertar. Foi a despedida mais doída que tive quando vim para cá.

Tenho, ainda dois irmãos mais novos que são também meus melhores amigos, Beatriz de trinta anos que ainda é solteira e Théo o caçula com vinte e oito. Este é sem dúvidas, a pessoa que mais me entende nesse mundo, ao contrário dos meus irmãos mais velhos, não quis me convencer a permanecer naquele casamento fracassado onde eu estava cada vez mais infeliz. Theodoro namora, ou melhor, enrola uma moça linda que é muito apaixonada por ele, não posso julgá-la, meu irmão caçula é realmente apaixonante. Um rapaz gentil, muito responsável e carinhoso, além de lindo.

EM CADA PASSOOnde histórias criam vida. Descubra agora