Soneto

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Carreguei seu corpo pseudo-morto para o quarto, deitando-o na cama e o vesti com as primeiras roupas que achei, estava frio, coração tão lento quanto a respiração. Era tristemente parecido com a brincadeira das meninas de vestir bonecas. Chamei um Uber preocupado pra caralho de ser sério, o cara surtou por conta de uma porta.

Não era minha intenção, obvio que não. Que merda eu iria querer com aquele cômodo? Talvez o surto não tivesse sido tudo por conta disso já que o choro começou no banheiro, talvez fosse por Thomás, não, é vaidade minha, além de que, na cabeça dele, provavelmente não estaria em posição de reclamar, não me importaria se reclamasse, nem um pouco.

O sentei no sofá da sala, nada tinha mudado e, agora, de seu nariz escorria sangue, me segurei para não voltar a chorar e peguei papel toalha da cozinha, limpei, mas logo escorreu mais, tentei o acordar, mas não consegui, sua boca estava seca, era como ver um homem morto, tenho certeza de que se os olhos estivessem abertos estariam como dois olhos de vidro. Não consegui, o ver em tal estado me fazia querer morrer ou tomar a dor para mim, comecei a chorar pensando que a culpa era minha (e era, provavelmente).

O Uber não demorou a chegar, talvez uns seis minutos ou até menos. Sai com Daniel ao colo, pelo papel enfiado em seu nariz, respirava pela boca e um pouco de sangue escorreu na minha camisa. O motorista se assustou com o estado de palidez do meu amante.

-Abre a porta, por favor... - me referia ao carro.

-A-Ah, claro. - a abriu o mais rápido que pode - O que houve?

-Desmaiou de tossir.

-O que ele tem? - perguntou me ajudando a colocá-lo no carro e afivelar o cinto.

-Eu não sei, cara. - já estava estressado o suficiente, mas assumo que não deveria ter sido rude com o senhor -Leva a gente pro hospital mais próximo, por favor.

-Você quem manda, chefe. - foi para o banco do motorista, me sentei no banco de trás junto dele.

O olhava para saber seu estado, começou a abrir os olhos devagar, olhando em volta, em dúvida, então se virou para esquerda, confuso, com os olhos em mim.

-Tô te levando pro hospital, você tossiu sangue.

Apoiou a mão na boca e em seguida no papel no nariz, os tirou em um gemido, estava tudo coberto de sangue, olhou para o papel neutro, e deu um fungada, afim de deixar o nariz normal.

-Ó, - o motorista tirou uma sacola do porta-luvas - coloca aqui.

Alcancei a sacola e estiquei para ele colocar, ele os colocou dentro lentamente, quase errou (apesar de estar bem aberta). Apoiou a cabeça no vidro da porta e dormiu.

Vi o horário no rádio do carro, tocava "Blusa Vermelha", eram 21:20. Achei que Daniel teria se preocupado mais em relação ao hospital, dizendo que o pai não o deixava ir ou algo do tipo.

Quando chegamos, não depois de muito tempo, talvez em três minutos, o acordei mexendo seu ombro de leve, não reclamou, paguei o Uber e entramos, estava com dor de cabeça e cambaleou, o ajudei a se apoiar, mas me afastou com o braço e foi andando mesmo que torto, ainda puto comigo. O hospital não estava cheio, uns quinze ou vinte minutos se passaram para sermos atendidos, nesse meio tempo, Daniel bebeu água e, se sentando ao meu lado, virou o rosto e dormiu de novo, eu não conseguiria, estava muito preocupado, mais do que ele, com certeza. Será que isso ocorre com frequência? Se sim, espero que ele tenha ido ao médico alguma vez antes.

Fomos chamados, entramos, os exames não demoraram muito, talvez o mesmo tempo da espera (ou menos), ao final, nos sentamos de frente a doutora.

-Seu pulmão tá precisando de ajuda, a tosse com sangue foi um pedido de socorro. Se não parar de fumar imediatamente pode acabar tendo um câncer. - direta, né?...

Todas as pintas do seu corpoOnde histórias criam vida. Descubra agora