Comecei a chorar desesperado, o motorista, com medo que quem estivesse lá dentro ouvisse, voltou uns três quarteirões e esperou em silêncio me acalmar minimamente.
-Te sacanearam, né? - perguntou tímido depois de alguns minutos, uma pergunta óbvia com uma resposta óbvia.
-Sim, demais.
Meu choro continuou e ele então me estendeu sua garrafinha d'água, bebi aquilo tudo e assim a calma me alcançou por alguns instantes, o motorista continuou quieto. Mandei uma foto para Daniel do folheto, ele me perguntou se tinha onde passar a noite, o respondi que não, então me passou um endereço diferente do de sua casa e me convidou a ir. Mostrei a localização ao senhor, ele voltou a dirigir em seguida até o Apartamento laranja ao centro.
Quando fui pagar ainda choroso, me fez um gesto com as mãos de que não precisava e me aconselhou a guardar o dinheiro para coisas mais importantes "como pagar as contas, por exemplo", não pude expressar minha tamanha gratidão, resumiu-se em somente um "muito obrigado, mesmo", confesso ter tido vontade até de beija-lo.
Graças a Deus o apartamento era na parte de baixo porque seria uma desgraça subir as escadas com minha perna fodida. Número três, bati na porta, ele a abriu vestido como se fosse sair, um casaco de cashmere branco seguido de um colete de malha marrom claro, um colar com uma pedrinha preta, calças azuis, sapatos marrons sociais limpíssimos, isso tudo não era para mim, era? Nunca o vi tão lindo quanto agora, a pele brilhava, reluzia de tão linda, lindíssimo, senti meu coração parar por um segundo e ficar um pouco tonto por conta da pressão, quase senti o sangue cair de meu nariz, dessa vez era só ilusão, não caiu sangue algum, a única imperfeição em si seriam, novamente, a marca de lágrimas que haviam escorrido em seu rosto (que ainda assim eram belas, nossa senhora...). Me olhou só o suficiente para logo em seguida olhar para o lado me indicando a entrar, o obedeci, ainda hipnotizado.
Bossa nova tocava ao fundo, se sentou ao chão apoiando a cabeça no sofá. Tinham garrafas de cerveja e vinhos vazias pela mesa, cigarros enfileirados a sua frente.
-Você... fumou? - perguntei decepcionado.
-Não.
Fui mancando sentar ao seu lado, ele me estendeu uma lata de Bohemia, aceitei sem pensar duas vezes.
-Você mentiu pra mim. - disse de repente me fazendo engasgar com a bebida.
-Quando? - perguntei preocupado, essa minha mentira teria o feito chorar?
-É Telma Costa, não Elis. O Chico e ela cantaram juntos em Baile dos Mascarados pra sua informação. - ele fez a tarefa de casa.
-Ah, foi mal. - não é possível que estivesse mal por um enganinho desses, né?
-A voz das duas nem se parecem. - afirmou irritado, dando um último golão na cerveja, amassando a latinha em seguida a jogando na parede.
-Pareceu quando ouvi.
-Pff, você não sabe nada da Elis. - não sei mesmo - Enfim, a música é bonita.
-Só escutei uma vez, no rádio, tem anos.
-Porque rádio? - estava mais calmo agora.-Eu gosto, é só ligar e tem música tocando.
-Mas você nem gosta das que tem.
-Correção: não gosto das daqui, na Bahia era bem melhor.
-Forró e arrocha o dia inteiro...
-Djavan também.
-Você gosta mesmo?
-Bem melhor que esses sertanejos de merda.
Riu e sua risada me fez sorrir -Então, como você tá? - me perguntou.
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Todas as pintas do seu corpo
Roman d'amourWiliam se muda da Bahia para uma cidade ao norte do Brasil e reencontra seu amigo de infância Daniel, o francês que retornou por conta dos divórcio dos pais, tendo que morar com seu pai agressivo. Apesar de Daniel ter um namorado (Junior) que realme...