Vidente

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Thomás e minha irmã me mandaram mensagens perguntando sobre o ônibus (se chegou, se entrei), os respondi, sentado ao lado da janela com a mochila aos meus pés, "tudo ok", mentira. Remoía os ocorridos do dia e pensava no cansaço futuro quando finalmente chegasse a Bahia (após dois pra três dias dentro de ônibus). Me compraram passagem só de ida, devem pagar as de volta quando estivessem certos do casório. De qualquer forma, tenho o dinheiro que Daniel me deu, ele vai vir a ser útil, dinheiro sempre é.

A ida até lá foi extremamente chata e demorada, li umas 5 páginas de Dom Casmurro e tentei descobrir o escrito do post-it, por mágoa não consegui.

Por ficar remoendo o assunto, acabei chorando no meu canto por alguns minutos (talvez uma meia hora), uma senhora me perguntou o que aconteceu, fiquei envergonhado, respondi que era pessoal e pedi desculpas pelo incômodo. A escutei sussurrar para a filha "deve ser problema com mulher", é, era problema com mulher.

Quando finalmente cheguei a Salvador, as 17:30, os familiares de Laiane vieram me receber ajudando com a bagagem. No carro eram gentis comigo, como querendo ainda mais minha participação na família. Meu ex-sogro (Seu Sandro) dirigia contente. Ao lado, sua esposa, Dona Maria Cristina, do meu, o filho mais novo, Lucas. Pardo, cabelos cacheadíssimos e morenos como os da irmã, olhos mel, os de Laiane são mais puxados para o verde, quinze anos. Ele gostava bastante de mim, digo no passado porque a cara de bunda com que me olhava era surreal, com certeza Laiane os mostrou nossas conversas, se é que se pode chamar assim.

Se ela não tivesse engravidado provavelmente não nos falaríamos mais, pelo menos não da minha parte, precisava de um tempo, por ter me sentido preso todos esses meses juntos, até podemos ser amigos, mas antes ela tem que perceber que não quero nada romântico. Odeio ter que partir seu coração, se fosse mais corajoso teria me assumido novo (como Daniel), o final seria o mesmo, mas pelo menos não seria pai sem ao menos ter duas décadas de existência.

E a faculdade? Moradia? Comida? Não quero me casar, não quero. Obviamente, se pudesse, voltaria no tempo para evitar essa situação, mas não é como se não quisesse a menina. Se controlasse minha vida, teria filho só aos 30/35 anos, quando tudo já estivesse estável e eu casado com Da– com alguém.

Maria me olhava pelo espelhinho de fora e disfarçava quando percebia, não deixava o assunto atual morrer, mas também falava desinteressada. Com a análise feita, o clima passou de tranquilo para agonizante de um instante ao outro.

Chegando na casa, cansado para um caralho, me direcionaram ao quarto de visitas. Quis ir ver Laiane, perguntei sobre, mas me disseram para dormir e que conversaríamos no café. Entrei no quarto, modesto, deixei a mala de lado, pulei na cama e coloquei o despertador para as sete horas. É provável que meus ex-sogros já estejam acordados desde as cinco da manhã, mas sete horas não é tarde, né? Porra, eu fui de um estado para o outro e tô no direito de dormir até as duas da tarde. Enfim, coloquei o alarme para as 06:59, fiquei uns dez minutos olhando para o teto. Queria dormir logo, ficar sentado por horas, comendo, dormindo e se sentando mal é um inferno, viver num lugar com praia pra mim sempre foi bom por não precisarmos viajar atrás disso. Poucas as vezes em que saiamos de Salvador em viagem, mais fácil mesmo os parentes virem para cá passar o natal, ano novo, carnaval... O sono tinha, mas não conseguia dormir pela agonia (e por vontade de ir ao banheiro).

Fiz o que precisava fazer, então fui até o quarto de Laiane, bati à porta, ela me atendeu. A surpresa em seu olhar era deslumbrante, a barriga basicamente não aparecia, estava com olheiras, cansada, com o cabelo bagunçado (pronta para dormir, não é de se julgar), parecia irritada.

–Boa noite, Laiane. – minha voz saiu cansada e chateada, magoei muito essa mulher, ela não merecia.

–Boa noite, Wiliam. – séria.

Todas as pintas do seu corpoOnde histórias criam vida. Descubra agora