Era por volta das 6h da manhã e Vilinha já estava acordada. As mulheres limpavam e varriam suas casas, os homens já estavam em suas fazendas de trabalho ou nas roças de soja e milho e algumas crianças corriam nas ruas empoeiradas do povoado e eram repreendidas por isso.
No Armazém de seu Joaquim, João Humilde chegava para comprar algo para a Sra. Almeida:
–Boa tarde pru ceis! Vim buscar o aguardente e a açúcar da Sra. Almeida.
–Boa tarde João!– respondeu Sr. Joaquim limpando a mão em um pano velho na bancada a sua frente– Benta vai pegar pra você.
Joaquim gritou um sonoro: BEENTA MUIÉ! E ela apareceu com os olhos inchados na porta que dava para o fundo do armazém.
–Ainda chorando ? O padre já morreu a uma semana, tá fedendo em baixo da terra já sô! Para com essa choradeira e pega as encomendas da Dona Aurora.
Benta bufou para o irmão e saiu da porta para buscar as encomendas.
–Ela não para de chorar desde que o padre morreu– Joaquim limpou o nariz no pano e o passou nos dois potes redondos transparentes com balas de caramelo e de mel– ela nem ia na igreja João, ela é dessas mulheres devotas de orixá, ela toca um tambor ali no fundo.
–Sei disso Joaquino, vim cá já– João Humilde apontou para a prateleira de pingas de raízes e Joaquim foi pegar uma dose para ele– Dona Benta é muié boa, respeitosa.
Joaquim serviu uma dose da Pinga de "Milome" e João a bebeu num gole só.
– Minha irmã– começou Joaquim– era amiga de Pontes desde criança, os dois corriam pelas ruas empoeiradas de Vilinha desde que me entendo por gente, conheciam de cabo a rabo isso aqui, da igreja até as cachoeiras. Um dia a mãe brigou com o pai, isso eu tinha meus 16 anos e ela 15, e resolveu ir pra Bahia morar com a vó. Benta ficou cricri de raiva e passou a ir nesses terreiros de macumba pra implicar a mãe, só que na Bahia é até comum essa bagunça de Católico e Exu
–Sou baiano oxe!– comentou João.
–Pois é, você sabe com é lá. Mas eu nunca fui nesses tal de terreiro, ela ia e aprendeu as coisas de lá, a mãe nem ligava mais, só que excomungava ela aos quatro ventos. A vó tava doente e delirando, ela falava umas coisas estranhas, esquecia até de quem era eu e a mãe– Joaquim pegou o copo em que João havia bebido a pinga amarga e jogou num balde cheio de água e com alguns insetos mortos– mas aí o pai morreu aqui e deixou o Armazém pra mim, a Benta quis voltar comigo mas a mãe falou que não voltava de jeito nenhum pra esse lugar. Chegando aqui a Benta correu pra ver o Pontes que morava naquela casinha ali– ele apontou para uma casa marrom com uma cerquinha viva à direita do Armazém– ai ela chegou lá e nada do Pontes, só a mãe dele, a velha Maria Dacota, que tava lá e disse que ele era o novo padre de Vilinha. Lembro que a Benta chorou tanto e foi falar com ele, não sei sobre o que falaram, mas depois ela entrou por essa porta e começou os trabalhos de macumba no fundo de casa.
–Ixi! Essa muié tava cum aqueleas coisas de paixão, amor, sei lá o nome, mas ela tava!
–Não sei João, você frequenta o terreiro dela, sabe como ela é– Joaquim se calou quando a irmã entrou trazendo as encomendas da Sra. Almeida para entregar a João Humilde. Ela deixou em cima do balcão e saiu– ela nunca fala nada pra ninguém sobre o que ela tá sentindo.
–Coitada! Tem ideia de cachorro solitário, assim dizia o pai quando nois tava fazendo coisa de sentir tristeza.
–Nois? Tem irmãos João?
– Tinha, a Maricota e o Virgulino, mas morreu os dois num acidente de carro de boi.
–Credo em cruz João, Deus me livre!
VOCÊ ESTÁ LENDO
Padre Antoine
RomanceVilinha é um simples povoado de Goiás, após a morte do padre Pontes, um novo padre é destinado para fazer o serviço religioso do local. Este novo padre é Antoine, um antigo morador do povoado e filho de uma das senhoras mais ricas da região. Antoine...