Capítulo 2

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A senhora Almeida não se sentia muito bem naquela manhã. O cabelo grisalho demais marcava os 20 anos da partida de seu único filho para Roma. O corpo magro e enrugado fazia com que ela se lembrasse do dia de seu casamento, de seu marido sorrindo no altar e ela chorando por detrás do véu branco, e atrás deles Pe. Pontes com seus 40 anos já naquela época. Aurora não entendia como seu marido havia morrido antes do padre e com menos idade que ele.

Um carro passou na porta de sua casa, rumo á estrada das cachoeiras, uma das terras mais cobiçadas de Vilinha. Atrás vinha uma caminhonete com móveis finíssimos, de pura madeira, muito bem envernizados e polidos. Alguém com alto poder aquisitivo estava se mudando para o povoado.

Aurora Almeida chamou João Humilde:
-João, você sabe de quem é essa mudança?
João coçou a cabeça cheia de cabelos brancos com as mãos enrugadas:
-Sei não senhora! Inda hoje dona Benta prosiou com eu e falo que o cartero tava cuns paper de Portugar nas mão- o velho voltou a retirar as ervas daninhas que estavam crescendo no canteiro de cebolinha verde, do lado da casa.
-Será que Túlio sabe de algo?
-Acho que não senhora, ele ta drumindo...
- Dormindo ? Mas ele tem trabalho a fazer. Chame-o aqui agora!
João saiu cabisbaixo em direção a casa amarela no fundo do casarão de dona Aurora.

Túlio chegou desconcertado e com cara de sono, atrás dele João Humilde continuava seu trabalho :

- A senhora mandou me chamar?- disse o homem, agora já com os primeiros vestígios de velhice aparecendo.

- Túlio, você tem trabalho a fazer, é bom eu não saber que você anda dormindo durante o dia- a senhora Almeida tossiu por uns bons 2 minutos antes de terminar de falar- vou mandar você embora, está me ouvindo?

Túlio assentiu e se virou, indo em direção o pasto.

Aurora começou a tossir mais uma vez, compulsivamente, se agarrou a pilastra velha da área e se encostou nela. João Humilde levantou a cabeça e disse:

- Se a senhora quise , eu chamo dona Benta pra mo de faze uma benzição na senhora...

- Obrigada João, mas volte a seu trabalho- ordenou ela entrando na sala da casa.

Ao entrar se deparou com a foto de seu marido ensinando Antoine a pescar, as lágrimas desceram de seus olhos e naquele momento ela se sentiu sozinha, tão sozinha que sentia um buraco naquele coração duro dela. Ela sabia que a solidão viria, mais cedo ou mais tarde e a dor de envelhecer não era nada comparada a dor de estar só naquele casarão só dela, naquelas propriedades grandes e tão vazias.

Aurora não era a única sofrendo ali, na casa do padre, homens e coroinha corriam pela casa. Pe. Pontes estava nas últimas, uma enfermeira passava panos com água na testa dele, a mulher de vestido azul claro na porta brigava com o marido:

- Eu disse para não deixar ele dormir com a janela aberta seu imprestável...

- Abaixe o tom para falar comigo mulher- o homem a arrastou para a cozinha da casa- eu só não lhe dou umas bofetadas em respeito as últimas horas do padre. E eu não tive nada a ver com isso, ele abria a janela por teimosia...

- Você não vai me bater porque é um covarde, e eu não tenho medo de você nem de qualquer homem José! Eu não sei porque seu pai lhe deu essas terras da igreja, sendo que quem merecia era seu irmão...

O homem lhe acertou um tapa na cara, a bochecha dela ficou vermelha imediatamente:

- Cale- se me ouviu?! CALE- SE- José Ludovico estava fora de si- eu juro que não entendo essas mulheres de hoje, todas vivem de afronta? Culpa dessas novelas maliciosas que o padre Pontes tanto avisa para vocês não assistirem...

Padre AntoineOnde histórias criam vida. Descubra agora