Capítulo 10

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Vilinha, 1976

Juliene entrou no ônibus escolar reprimida, sua menstruação havia descido pela primeira vez, ela ainda estava aprendendo a lidar com a novidade. Sua mãe havia lhe ensinado como colocar os panos para não sujar a roupa, mas tudo era desconfortável e tudo doía.

A mocinha avistou Antoine sentado próximo a janela observando os outros alunos entrarem. Ela sorriu e se juntou a ele, era seu parceiro de banco, sempre se sentavam juntos.

Antoine estava distraído, observando Vilinha, os cabelos castanhos grandes demais, cobrindo as orelhas faziam cócegas em Juliene quando ela se aproximava dele. Mas desta vez ela não se aproximou, sentou-se ereta e nada disse a Antoine.

Ele logo percebeu a presença dela ali e se virou:

—Julie, você está bem?— e levou a mão aos cabelos dela, porém Juliene empurrou Antoine para longe.

—Estou bem Antoine, é coisa de mulher— ela respondeu secamente.

—Aammh...Ok—Antoine a observou por um instante e pensou que um dia iria se casar com ela—se você quiser conversar...

—Não quero, já disse, estou bem!

—Julie, eu te conheço desde que éramos do tamanho daquelas criancinhas ali—ele apontou para o grupo de crianças mais novas que se sentavam, por questões de seguranças, nos primeiros bancos do ônibus.

—E daí?—ela deu de ombros.

—E daí que eu sei quando você não está bem.

—Ah Antoine, fica quieto, eu...eu...aammh... só estou doente.

—Doente?—ele olhou espantado— vamos descer, peço meu pai pra te levar pra Goiânia de caminhonete...

—Não! Eu já tomei meu remédio— ela recostou-se no banco sujo do ônibus, fechou os olhos e complementou— eu só preciso ficar quietinha.

Antoine se aproximou dela e lhe deu um beijinho na testa. Recostou-se em seu próprio assento e virou-se para contemplar o rosto de perfil de Juliene. Ela era linda, um nariz pequeno e delicado, acompanhando uma boca fina mas perfeitamente desenhada que contrastava com o queixo pequeno e no fim umas mechas castanhas encaracoladas do cabelo macio, que tinha o melhor cheiro do mundo para Antoine. Ele suspirou, aproximou os lábios do ouvido dela e sussurrou:

—Eu te amo, Juliene.

Ela contorceu-se no assento e encostou o corpo em Antoine. Sussurrou um "eu também" baixinho e adormeceu.

Aquela foi a primeira vez que Antoine Almeida disse que amava Juliene Silva.

...

Vilinha, 1999

O velório estava calmo, algumas pessoas entravam, olhavam o corpo no caixão e saiam, em silêncio. Juliene estava sentada num canto da sala, uma sala velha com quadros antigos e um filtro de barro, os bancos de madeira haviam sido levados para o lado de fora, a fim de acomodar os parentes e amigos do falecido senhor Silva.

Antoine estava lá, parado do lado de Juliene. Ele havia passado a noite lá com ela, mesmo com todos os protestos do senhor Ludovico quanto a isso, Antoine manteve-se firme ao lado da senhora Ludovico, que estava visivelmente devastada. A dor da perda era visível nela, todos que iam ver o corpo por uma última vez passavam por ela e lhe davam os pêsames, ela apenas acenava com a cabeça e voltava a abaixá-la, mais algumas lágrimas saiam e voltava ao seu estado de luto.

Ludovico segurava a mão da esposa e respirava pesadamente, vez ou outra olhava de soslaio para Antoine, que saía para tomar um café ou chá.

Mas a pior hora, o pior momento, de um velório estava chegando: a hora de dizer adeus de verdade, a hora do enterro. Juliene já estava tremendo.

Padre AntoineOnde histórias criam vida. Descubra agora