Sam

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Estava brincando, mas não tinha certeza se seria um bom fantasma ou se sequer acreditava nisso. Porque se acreditasse o que Dan estaria vendo desde sua partida era vergonhoso demais, era apenas a sombra do que ele deixou, vivendo de migalhas, apenas sobrevivendo. Isolada no próprio mundo, sem amigos, sem sorrisos, sem planos grandiosos. Se acreditasse em fantasmas estava novamente matando Dan, ele odiaria tudo o que me tornei, mas eu não era mais a mesma Sam, eu sequer era Sam. Tudo que sobrou foi a garçonete Samantha, humilhadora de kooks nas horas vagas, frequentadora assídua da loja de ferramentas e materiais de construção do Bear. A vontade de viajar mundo a fora partiu junto com Dan, a vontade de ler, de me divertir, de sorrir foi tudo com ele.
Abri os olhos pesados, minha boca amargando e seca, minha cabeça teria participado de um jogo onde claramente fora a bola. Porque eu estava mais zonza do que quando andei cinco vezes seguidas no chapéu mexicano. Levei a mão à cabeça, senti primeiro a fisgada depois a dor, olhei para meu braço, sangue fluía dele, mãos se fecharam onde a dor irradiava.
- Tem alguma forma de fazer você manter os acessos? - acompanhei a voz, quando consegui focar no dono, a noite anterior se desdobrou em borrões. - Sabe quantas vezes tiveram que espetar você?
- Não faço ideia, muitas? Não responde meus braços, mãos, está tudo dolorido. Você me trouxe para droga de um açougue? - quase rosnei, ele suspirou e não soltou meu braço.
Começou a gritar, logo estava cercada por jalecos brancos.
- Precisa tomar a medicação nos horários certos, se sentir tontura, enjoos ou qualquer outro desconforto volte imediatamente. - o médico falou ao assinar minha alta, me coloquei de pé, me senti um pouco zonza, apoiei a mão na cama, JJ pareceu notar, se aproximou oferecendo o braço com discrição, assenti grata. Nem com um caralho ficaria mais um instante naquele lugar.
Apoiada em JJ seguimos para saída, estávamos quase na porta quando a enfermeira nos alcançou, entregou a receita para ele, repassou os passo a passo para troca de curativo. Quando cheguei a Kombi - sim uma Kombi. - Ele me ajudou a sentar, correu para o volante.
- Não precisa fazer nada disso. - estendi a mão para ele me entregar a receita.
- Mas quero, Kie contou que foi suspensa por brigar com Rafe.
- Ele é um idiota, ela é fofoqueira, e o que uma coisa tem a ver com a outra? - insisti balançando a mão para ele.
- Não vai trabalhar pelos próximos dias, vou pegar seus remédios, deixar o atestado no restaurante, trocar seu curativo e ficar de olho em você. - JJ ligou a dinossaura, me deu um sorriso preguiçoso.
Minha cabeça latejava demais para conseguir manter uma discussão, talvez ele não estivesse totalmente errado e eu precisasse de supervisão e de alguma forma Deus quis que fosse ele. O quão Deus precisava estar enganado para colocar JJ Maybank como meu cuidador pessoal? O cara que mais se metia em confusão, que conseguia ser desafeto de Rafe até mais do que eu, que vivia cercado por seus amigos-irmãos? Por que ele se mostrou tão interessado em meu bem-estar?
Já tínhamos cruzado o caminho um do outro algumas vezes, mas nunca dedicado palavras maiores do que cumprimentos e, no entanto, foi ele quem me socorreu, que se manteve ao meu lado, que me aqueceu, que irritantemente se recusava a me deixar só.
Ele parou em frente a farmácia, engoli seco, virei o rosto para esconder a vergonha.
- Não tenho dinheiro, nem para os remédios, nem para gasolina ou para coisa alguma. - sussurrei.
- Não esquenta. - pediu descendo, continuei a encarar o lado de fora sem coragem de olhá-lo. - O médico disse para tomar de 8/8 esse é para dor, esse para coagulação, esse para enjoo... - ele listou, me afundei no banco.
- Vou te pagar, eu prometo assim que voltar a trabalhar.
- Esquece isso. Agora toma esse porque em duas horas tem outro. - ele colocou uma garrafa de água e um comprimido nas minhas mãos, enfiei na boca junto com minha dignidade.
- Obrigada.
- Casa? - assenti, ele voltou a ligar a dinossaura ,ela rugiu atravessando a cidade.
JJ optou pelo caminho rente a costa, cantarolando uma canção que só ele devia conhecer, respirei fundo, fechei os olhos, tentei focar na voz ao meu lado. O cheiro de maresia me atingiu primeiro, depois o som sufocante das ondas se espalhando na praia.
- Sam, você está azul. - ele falou ao tocar meu ombro. - Acho melhor voltarmos para o hospital, ninguém deveria ser azul.
- Não, por favor. Só sai da praia, estou enjoada. - confessei, com suor frio escorrendo por meu pescoço ensopando minha a camiseta.
- Ok. Vamos parar um pouco, você não parece respirar. - parou a Dino na entrada da estrada que ia para minha casa. O caminho pelo mar, abaixo, o sol brilhava sobre a água, meu peito  apertou, meu coração batendo tão loucamente que minha respiração não conseguia acompanhar.
Abri a porta às pressas deslizando para o chão antes dele me alcançar.
- Respira Sam, olha para mim. - pediu segurando meu queixo, encarei os olhos azuis, minha visão embasada. - Sam?
- Eu não... - puxei o ar para dentro não foi o suficiente. - Não dá para respirar. - a cada quebra de onda na praia minha respiração era tomada, acompanhando o ritmo incansável do mar.
- Ok, ok. Olha? - JJ me obrigou a voltar para seu rosto. - Você está hiperventilando, tem ar suficiente, só puxa ele e depois solta. Você consegue. - ele pegou minha mão e a colocou sobre o próprio peito. - Assim... - puxou o ar, sobre minha palma seu peito inflou, seus olhos se mantendo em mim, então soltou.

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