Vinte e quatro

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Tivemos que mudar de quarto. Na verdade, o novo quarto foi para Cristine. Eu tive que ir para o mesmo quarto de Deon.

Chamar de quarto era de muita sutileza porque era praticamente uma casa. O penúltimo andar era todo dele. Agora entendi o motivo do lema desse hotel.

Onde o rei anda entre nós...

Não só anda como dispõe do melhor aposento do hotel inteiro. Eu apenas joguei minhas coisas por cima de um sofá imenso do quarto e fui tomar um banho.

Eu não tenho absolutamente mais forças para nada. Nem para brigar, quebrar coisas ou tentar matar Deon.

Após o banho, visto um roupão e encontro Deon na varanda, sentado. Ao me aproximar, vejo que ele tem nas mãos uma taça com vinho. A garrafa estava em uma mesinha juntamente com uma outra taça, porém vazia.

Não esperei ele me oferecer. Enchi a taça e dei um grande gole. Ele se mantém olhando para o horizonte. A vista é muito bonita.

– Você precisa confiar em mim, Melina. – Sua voz soa sombria e distante. – Preciso que siga meu plano, faça exatamente o que eu disser.

– Você está acabando comigo dessa forma. – Bebo mais um pouco. – Estou deteriorando, Deon. E ainda ouso a estar aqui, bebendo com você.

– E o que você deveria fazer? – Ele vira e me encara de uma forma que me deixa desconfortável.

– Quebrar essa garrafa e cortar o seu pescoço. Depois ir atrás dos meus pais. – Rio sem humor e me apoio na estrutura da varanda. – Mas sei que talvez eu morreria junto com meus pais. Queria apenas ter os meus sentimentos levado em conta. Estou realmente cansada de ser usada por todos.

Ele suspira alto e seca sua taça. Vejo de canto quando ele enche-a novamente. A brisa leve trás uma sensação de que possivelmente deve chover. O céu começa a ficar escuro também.

– Eu sinto muito por tudo isso, Melina. Mas eu preciso fazer justiça pelos meus pais. Maximilian não pode simplesmente andar por aí como um homem honesto e honrado enquanto mata pessoas e joga os corpos para debaixo do tapete. – Encaro seu rosto e vejo que ele exprime dor ao falar essas coisas. – Eu estava disposto a muita coisa quando comecei isso, Melina. Não posso parar. Nem por um amor, nem por nada.

– Não fale que me ama, Deon. Não fala assim... – Fecho os olhos enquanto emborco todo o líquido da taça na minha boca. – Amor é maior que isso tudo. Se fosse mesmo amor você não estaria me machucando tanto... Você pararia, Deon. Ou me liberaria dessa podridão. Mas não, você me arrasta pra isso cada vez mais. E agora meus pais estão nas mãos do louco que matou os seus pais. Como isso vai terminar bem? Me diz.

Coloco a taça vazia em cima da mesinha e ameaça sair dali, mas ele segura no meu braço e me puxa ao seu encontro. Enquanto me segura, ele deposita a taça dele na mesa e alisa meu rosto com a sua mão livre.

– Não quero dar nome a isso que sinto, então. Tudo que eu disser você vai dizer que não é. – Sua boca exala o cheiro doce do vinho e eu, sem querer, começo a ofegar.
– Eu quero que você sinta, Melina. Apenas sinta.

E em um piscar de olhos sua boca encosta na minha. Seus lábios molhados e escorregadios provocam arrepios instantâneas em meu corpo. Suas mãos fortes agarram minha cintura e me levam para mais perto do seu corpo. Solto um gemido com o impacto dos nossos corpos.

Uma de suas mãos agarram meus cabelos guiando melhor nosso beijo.

O que eu estou fazendo que já não me afastei?

Sei que não é culpa do vinho, pois tomei apenas uma taça. Eu mesma que não quero me afastar. Isso eu assumo. Mas está tão bom.

Nunca beijei alguém com tanta vontade assim e que fizesse isso tão bem.

Sua boca se afasta da minha e beija meu pescoço. Estranhamente está muito calor. Muito mesmo. E a minha maior vontade é abrir esse roupão. Mas não posso fazer isso.

– Eu sei que você sente também... – Sua voz tão perto do meu ouvido me deixa fraca. – Então dê o nome que preferir, porém é real.

Engulo seco e me afasto. Subo um pouco meu roupão que nem percebi que baixou exibindo um pouco meu ombro esquerdo. Ele volta a pegar sua taça e encostar na estrutura da varanda.

– Você quer brincar comigo. Eu não vou e nem posso cair nesse seu jogo. – Balanço a cabeça em negação. – Se existe realmente alguma coisa entre nós, não vai passar da nossa imaginação. Eu sou sua isca, Deon. Eu sou apenas um meio para um fim. E já estou quebrada demais por isso.

– Não era minha intenção sentir isso tudo por você, Melina... Não estava nos planos, porém não posso mudar meus planos por culpa disso.

Pego minha taça e encho novamente. Se é para falar que eu fale, porém altamente encorajada por álcool. Não posso ter vontade de chorar.

– É aquela coisa né? Eu gosto de você, mas gosto mais de mim. – Bebo um pouco do vinho. – Sabe, Deon, na escola tinha um momento toda terça-feira que eu mais amava: soletração. Eu era muito boa, boa mesmo. Ficava sempre eu e um colega duelando para estar no primeiro lugar toda semana. Teve uma terça-feira em especial que a professora trouxe uma palavra nova pra mim. Sabe qual era a palavra?

– Diga.

– Fragmentada. – Rio lembrando do dia. – Estávamos aprendendo a escrever palavras diferentes e aquela palavra eu não sabia ao certo como se escrevia. Acabei errando e perdendo o primeiro lugar naquela semana. Assim que cheguei em casa fui pesquisar no dicionário o que significava aquela palavra. E hoje eu me sinto assim, fragmentada, dividida em várias partes menores. E eu sei que é só o começo, Deon. Você me quebrou e continuará fazendo isso. Eu não sinto que sairei muito feliz dessa história.

Eu até que tentei não chorar, mas estava impossível. Meus lábios começaram a tremer e um soluço baixo escapou da minha garganta.

Eu sou a porcaria da garota mais sentimental que já existiu. Mas não é fácil pra mim. Nasci e fui criada em um enorme laço de amor e companheirismo.

Apesar das dificuldades que já passamos, sempre fomos muito felizes. Não posso simplesmente esquecer das minhas raízes. Elas são quem eu sou.

E essa garota tão sentimental que agora chora porque está sendo usada é a mesma garota forte que acordava cedo para capinar mato e plantar abóboras.

– Não sei o que dizer, Melina. Mas eu preciso continuar. Seu pai não pode contin...

– Eu sei, eu sei. – Enxugo minhas lágrimas. – Pode fazer o que quiser. Só me deixa livre junto com meus pais. É só isso. Não peço mais nada.

– Farei o meu melhor. Pode deixar.

– Obrigada. – Devolvo a taça para a mesa. – Pelo vinho. Boa noite!

Lavo o rosto na pia do banheiro e depois me deito. Demoro muito para dormir, então vejo que Deon permanece na varanda por muito tempo. Apago depois de um tempo.

Fragmentada (DISPONÍVEL ATÉ 01/12/24)Onde histórias criam vida. Descubra agora